Entre as milhares de regras do cerimonial da Casa de Windsor, que é a dinastia que hoje governa a Grã-Bretanha, tem uma que me lembrou um causo assucedido no interior de Rondônia, no finalzinho da década de 1980: “Ninguém pode comer depois que o rei terminar a refeição”. E o regulamento complementa: “Quando o rei se levanta, todos se levantam”. Os motivos para os preceitos são, respectivamente, parte da etiqueta do jantar mostrar respeito e honrar e deferir ao rei. Não há exceções para estas diretrizes.
O causo rondoniense foi o seguinte: era aniversário do diretório PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro) de Ji-Paraná, cidade que fica a 376 quilômetros da capital, e foi realizada uma festa para homenagear os primeiros filiados à agremiação que durante o governo militar (1964-1985) fez oposição consentida aos generais-presidentes.
No caso de Ji-Paraná, desde que se chamava Vila de Rondônia, a oposição era dirigida aos coronéis que se revezavam no governo do então Território Federal.
O auditório estava lotado e o governador Jerônimo Santana presidia a mesa, já que além do cargo que exercia, era a liderança mais importante do partido no Estado. Na minha opinião, de todos os tempos, pois até hoje ele não foi superado.
O evento começou com o atraso regimental, e dá-lhe entregas de diplomas aos militantes históricos, com o ritual de apertar as mãos de todos os componentes da mesa e, a maioria usou a opção de discursar, com a citação nominal completa das autoridades presentes.
A mesa das autoridades era enfeitada por uma bandeja com frutas, que fazia parte da decoração do jantar que seria servido depois da solenidade. No decorrer do interminável evento, o governador Jerônimo puxou a bandeja para perto de si e começou a comer as frutas. Primeiro as menores, bananas, uvas, depois atacou um melancia, que havia sido fatiada artisticamente para servir de enfeite.
Muitos discursos depois a solenidade foi encerrada com a entrega de uma placa de agradecimento ao governador. Jerônimo recebeu a placa, agradeceu em voz baixa, não querendo discursar. Depois se levantou da mesa, tomando o rumo da saída.
Nós, que formávamos a comitiva dele, nos entreolhamos pensando no jantar que começaria a ser servido em seguida, ainda relutamos em nos retirar, mas o ajudante de ordens fez o gesto convencionado de que todos da equipe – seguranças, cerimonial e imprensa – deveriam sair naquele momento.
Voltamos para o hotel com fome e, como viajávamos sem receber as diárias antecipadamente, tivemos que esperar o café da manhã do outro dia para tirar a barriga da miséria.
Aprendi a lição e não caí em outra armadilha dessas até o final da minha carreira de assessor de político.
[Crônica XC/2024]