Se eu não soubesse que a dupla dos atrapalhados Mortadelo & Salaminho, anti-heróis dos quadrinhos, foi criada em 1958 na Espanha, as personagens desse causo que vou contar poderiam ter inspirado Francisco Ibáñez a criar os dois palermas, digo, agentes secretos.
Em um final de dia, após o trabalho, eu ia para um barzinho e, olhando pelo retrovisor, vi o carro (um Fiat Spazio vermelho, já bastante detonado) que era usado por colegas de outro departamento. Éramos da mesma secretaria, mas de setores diferentes; eles da segurança e eu da assessoria de imprensa.
Depois de virar a terceira esquina, achei que era muita coincidência eles estarem indo para onde eu ia. Dobrei outras esquinas, desnecessárias, e eles me seguiam. Os conhecimentos que adquiri nos livros e filmes policiais passaram a ser usados para despistar a dupla, mesmo não estando fazendo nada errado. Só para treinar…
Acelerei o meu carro aproveitando um farol amarelo do semáforo. Consegui passar, mas meus “perseguidores” ficaram retidos no sinal vermelho. Dei a volta à quadra e ainda os vi partindo, quando o sinal ficou verde para eles. Pouco depois eu os alcançava. Estavam andando devagar e olhando para as ruas perpendiculares, tentando me achar. Passei a segui-los, ainda usando os truques de Sherlock Holmes e companhia.
Uns dois quilômetros depois me deram por perdido (soube depois) e foram para as atividades deles.
No dia seguinte ao os encontrar, perguntei:
– Como estava o tacacá lá do [bairro] Ulysses Guimarães? Eles se entreolharam e, quase ao mesmo tempo, disseram:
– O senhor não estava lá, como sabe que fomos no tacacá?
Respondi dizendo que eu tinha meus informantes e que eles foram vistos também bebendo cerveja em uma mesinha na calçada, no bar em frente ao tacacá.
Deixei eles pensarem e fui embora. Após o almoço um deles foi à minha sala para entender como eu sabia dos passos deles.
– Vocês estavam me seguindo, eu os despistei e segui vocês. Agora quero saber quem mandou me seguir, respondi.
– Não, capitão (eles me chamavam e me apresentavam como capitão aviador das Forças “Bolavianas”), ninguém mandou. Era só brincadeira. Vimos seu carro e falamos, vamos ver onde o capitão vai e acabou o senhor sabendo onde nós fomos.
Para arrematar pensei em voz alta: “Se depender de vocês para garantir a nossa segurança, ‘tamo lascado!”.
[Crônica LXXIII/2024]