13 de maio de 2024

Destampando um pote [até aqui] de mágoas

Por José Carlos Sá

O tráfico negreiro rendeu muito dinheiro para Portugal através da cobrança de impostos sobre a transação (Ilustra “Negros no porão do navio”, 1835 – Johann Moritz Rugendas)

Aproveito a data emblemática do dia de hoje – 13 de maio, 136 anos da abolição da escravatura no Brasil – para comentar um assunto que venho acompanhando desde o seu surgimento, lá em Portugal.

Em uma entrevista coletiva a correspondentes estrangeiros, o presidente Marcelo Rebelo de Sousa, no dia 25 de abril (data da Revolução dos Cravos), disse que Portugal reconhece “que foi responsável por crimes cometidos durante a escravidão transatlântica [Brasil e Caribe] e a era colonial”, sugerindo a necessidade de reparação. 

Não foi a primeira vez que tocou no assunto, mas agora ele foi mais enfático. Na visita do presidente Lula a Portugal, em abril de 2023,  a questão foi tangenciada pelo chefe de Estado português, dizendo que seu povo deve pedir desculpas.

Desde então, Rebelo – que é jornalista e professor – caiu em desgraça junto a seus conterrâneos. Há dois pedidos de impeachment contra ele, que foi considerado pelo partido de extrema direita Chega, como “traidor da pátria”.

Na imprensa portuguesa o assunto é discutido diariamente. Nas publicações de que sou assinante, a maioria dos jornalistas portugueses critica o presidente pela declaração. Um dos comentaristas políticos do portal Observador, Cristina Roldão, afirma que esse assunto [a reparação] já foi resolvido quando Portugal foi obrigado pela Inglaterra a “abolir a escravatura” e firmar acordos fixando datas para que o “tráfico [negreiro] haveria de cessar totalmente nos seus domínios”.

A articulista alega que Portugal teve muitos prejuízos financeiros, citando que em alguns portos de colônias portuguesas na África, cuja base econômica era a coleta de impostos sobre a exportação de seres humanos para as Américas, a situação ficou tão ruim que não havia dinheiro para pagar os salários das tropas que garantiam a segurança dos embarcadouros.

Enquanto o assunto promete muitos desdobramentos, jornalistas portugueses fazem o cálculo de qual o valor em dinheiro seria necessário para reparações. Chegaram a 20 bilhões de dólares, que seriam parcelados em suaves prestações. 

E eu pergunto: Se, por um aborto da natureza, os portugueses resolverem pagar mesmo essa indenização, como o dinheiro chegará às mãos dos descendentes de escravizados? Como seria essa divisão? Qual o critério seria dotado?

Fica aqui a dúvida.

[Crônica LXII/2024]