Estávamos no supermercado, fazendo o “rancho”, e a certa altura a Marcela falou: “Fica aqui com o carrinho que eu vou voltar e procurar a nossa lista de compras. Acho que eu a coloquei na prateleira dos desinfetantes e esqueci lá…” Respondi que eu mesmo faria o resgate e que ela seguisse para a sessão de hortifruti, pois lá não precisa de lista.
Voltei aos nossos passos e examinei todas as prateleiras dos corredores em que tínhamos passado. Não encontrei a lista. Já ia dar meia volta e vi um papel dobrado sob uma dos expositores. Peguei o papel e vi que também era um rol que alguém perdera. Guardei o papel no bolso e fui em busca da minha esposa.
– Você encontrou? Perguntou esperançosa.
– A nossa lista, não. Mas encontrei essa e podemos seguir por ela…
Depois de um momento de estranheza, Marcela caiu na gargalhada e pegou a listagem alheia para comparar.
– Olha, que legal… “trabiçeiro” Eu não tinha visto assim… E com ‘cê cedilha’!
– Quando eu era pequeno eu falava “trabiceiro”, pois associava com a palavra “cabeceira”. Ou seja, para mim, a cabeceira é semelhante a trabiceiro. E o trabiceiro era colocado do lado da cabeceira da cama.
A lista encontrada previa a compra, além do travesseiro, de arroz, sal, café, margarina, bombril, desengordurante, lâmpada, cotonete, sabão em pó, amaciante, veneno, [ininteligível] cachorro, esponja. Na segunda parte, parece que são anotações de comparação de preços: “Merco (sic) macarõ parelo (?) 1,75; Omo 240 19,90; cora cd (?) 489; lin tipo calabre 2k 34,9; X primor 9,89; e chupu chu (?) 7,90”.
Quem encontrou nossa lista pode ter tido também algum estranhamento com o “dentifrício” e o “flit”.
Para peças da máquina
Com essa história de lista perdida, me lembrei de um fato que presenciei bem lá no passado. Eu usava o trem “subúrbio” para ir para o trabalho, na Rede Ferroviária Federal (era demorado, mas eu, como funcionário, não pagava a passagem), e ouvi a conversa entre um fiscal de trem (o cara que cobrava a passagem e picotava o bilhete) e um passageiro – provavelmente um amigo dele:
– Na semana passada, quando chegamos à Central [estação central de Belo Horizonte], encontrei debaixo do banco um pacote embrulhado em um pedaço de pano. Abri e tinha um volume envolto em uma folha de caderno onde estava escrito: “Para as peças da máquina” e um rolo de notas de dinheiro amarradas com uma borrachinha. Desenrolei e contei, tinha 500 cruzeiros. 500 cruzeiros, numa sexta-feira… Pensei, vou fazer o certo. Fui até o maquinista e perguntei a ele: A máquina [se referindo à locomotiva] está precisando de alguma peça? Ele me olhou com uma cara estranha e disse que não. Agradeci, coloquei o dinheiro no bolso e fui embora, com a consciência tranquila.
“Muito honesto”, pensei.
[Crônica LX/2024]