09 de maio de 2024

Listas perdidas

Por José Carlos Sá

Estávamos no supermercado, fazendo o “rancho”, e a certa altura a Marcela falou: “Fica aqui com o carrinho que eu vou voltar e procurar a nossa lista de compras. Acho que eu a coloquei na prateleira dos desinfetantes e esqueci lá…” Respondi que eu mesmo faria o resgate e que ela seguisse para a sessão de hortifruti, pois lá não precisa de lista.

Voltei aos nossos passos e examinei todas as prateleiras dos corredores em que tínhamos passado. Não encontrei a lista. Já ia dar meia volta e vi um papel dobrado sob uma dos expositores. Peguei o papel e vi que também era um rol que alguém perdera. Guardei o papel no bolso e fui em busca da minha esposa.

– Você encontrou? Perguntou esperançosa.

– A nossa lista, não. Mas encontrei essa e podemos seguir por ela…

Depois de um momento de estranheza, Marcela caiu na gargalhada e pegou a listagem alheia para comparar.

– Olha, que legal… “trabiçeiro” Eu não tinha visto assim… E com ‘cê cedilha’!

– Quando eu era pequeno eu falava “trabiceiro”, pois associava com a palavra “cabeceira”. Ou seja, para mim, a cabeceira é semelhante a trabiceiro. E o trabiceiro era colocado do lado da cabeceira da cama.

A lista encontrada previa a compra, além do travesseiro, de arroz, sal, café, margarina, bombril, desengordurante, lâmpada, cotonete, sabão em pó, amaciante, veneno, [ininteligível] cachorro, esponja. Na segunda parte, parece que são anotações de comparação de preços: “Merco (sic) macarõ parelo (?) 1,75; Omo 240 19,90; cora cd (?) 489; lin tipo calabre 2k 34,9; X primor 9,89; e chupu chu (?) 7,90”.

Quem encontrou nossa lista pode ter tido também algum estranhamento com o “dentifrício” e o “flit”. 

 

O “trabiçeiro” era o primeiro item da lista encontrada no supermercado (Reprodução)

Para peças da máquina

Com essa história de lista perdida, me lembrei de um fato que presenciei bem lá no passado. Eu usava o trem “subúrbio” para ir para o trabalho, na Rede Ferroviária Federal (era demorado, mas eu, como funcionário, não pagava a passagem), e ouvi a conversa entre um fiscal de trem (o cara que cobrava a passagem e picotava o bilhete) e um passageiro – provavelmente um amigo dele:

– Na semana passada, quando chegamos à Central [estação central de Belo Horizonte], encontrei debaixo do banco um pacote embrulhado em um pedaço de pano. Abri e tinha um volume envolto em uma folha de caderno onde estava escrito: “Para as peças da máquina” e um rolo de notas de dinheiro amarradas com uma borrachinha. Desenrolei e contei, tinha 500 cruzeiros. 500 cruzeiros, numa sexta-feira… Pensei, vou fazer o certo. Fui até o maquinista e perguntei a ele: A máquina [se referindo à locomotiva] está precisando de alguma peça? Ele me olhou com uma cara estranha e disse que não. Agradeci, coloquei o dinheiro no bolso e fui embora, com a consciência tranquila.

 “Muito honesto”, pensei.

[Crônica LX/2024]

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Central do Brasil Diálogos insólitos Estação centra de Belo Horizonte Leseira Marcela Ximenes 

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