08 de maio de 2024

Atropelando o cavalariano

Por José Carlos Sá

Assim imagino a ação do tenente Clésio, como uma jogada de rugby (Montagem sobre foto do Rio Preto Rugby/Reprodução)

Uma das boas recordações que tenho do serviço militar, prestado entre 1976 e 1980, foi ter conhecido o tenente Clésio. Além de militar, era professor de geografia e tinha por hábito chamar a todos os cabos e soldados de “canaia” (canalha). Também incentivava a todos nós a continuar os estudos. Naquela época, para entrar na Aeronáutica até como recruta, era preciso ter o segundo grau e muita gente se dava por satisfeita por ter chegado até aquele nível escolar.

Em um dos plantões que tiramos juntos – ele como oficial de dia e eu como cabo da guarda – ele contou um episódio da vida dele, do qual não tinha arrependimentos, mas que lhe causou muitos aborrecimentos na vida:

“Eu estava servindo na EPCAR [Escola Preparatória de Cadetes do Ar], na minha cidade, Barbacena (MG). Era sargento recém-formado e voltava de ônibus de outro município. Era daqueles ônibus antigos, com o motor do lado de fora e a porta era aberta pelo motorista através de uma espécie de braço mecânico manual.

Pois bem. No meio do caminho embarcou um soldado da Cavalaria da Polícia Militar. Era um negro alto e forte; estava fardado e portava, além do revólver, a espada, que faz parte do equipamento deles [Nota do editor: A espada não tem corte e serve como instrumento de dissuação, juntamente com os cavalos, para dispersar tumultos]. 

O militar estava muito bêbado e começou a perturbar os passageiros do ônibus, especialmente as mulheres. Eu estava sentado lá atrás – também fardado – e fiquei incomodado com aquilo, mas não me mexi.  

Notei que alguns passageiros olhavam para mim, afinal, eu era autoridade e superior hierárquico do baderneiro. Mas o que fazer? Eu, franzino, baixinho e desarmado, como iria enfrentar aquele “armário”?

Me levantei, pedi licença para passar pelo cavalariano, e fui até o motorista a quem falei baixinho: – Quando eu gritar, abra a porta e pise no acelerador.  Ele fez que sim com a cabeça.

Voltei para o fundo do ônibus e aguardei a oportunidade. Quando a estrada começou a descer a serra perto da cidade, saí correndo de cabeça baixa, atraquei o soldado pela cintura e fui empurrando ele, que surpreso, não ofereceu resistência. Gritei “abre a porta ” e empurrei o bêbado para fora do ônibus em movimento. Ele caiu e ficou rolando na poeira como uma trouxa de roupas.

Fui aplaudido pelos passageiros, mas dois dias depois o comandante da Escola me chamou e perguntou o que eu fizera. Ele recebeu um ofício do chefe do destacamento local da Polícia Militar informando que um policial deles havia sido agredido por um sargento da FAB.

Depois das explicações e de muito riso, peguei oito dias de detenção e nunca mais tive tranquilidade para andar nas ruas de Barbacena, com medo do cavalariano vir se vingar. Também respondi a um processo criminal por “tentativa de homicídio”. Não me arrependo do que fiz e nem sei onde fui buscar aquela força para arrastar um sujeito que tinha três vezes a minha altura e o meu peso”.

[Crônica LIX/2024]

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Barbacena Epcar Força Aérea Rugby Serviço Militar Tenente Clésio 

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