17 de abril de 2024

O golpe do defunto

Por José Carlos Sá

Eu não tenho nenhuma, mas nenhuma mesmo, facilidade para lidar com gente morta. Não gosto de ver, de chegar perto, de tocar, nada. Quando preciso ir a um velório, me aproximo do caixão, faço uma oração e vou embora. 

É claro que se for preciso eu tomo a atitude necessária, como, por exemplo, no velório de um colega de empresa, que eu não conhecia nem por nome, e que fui às exéquias por obrigação do cargo. Lá eu tive que colocar a tampa do caixão e parafusá-la, pois o funcionário da funerária chegou na hora de transladar o cadáver para o cemitério e a família não se moveu. Tomei a iniciativa e fiz o que era indispensável com o cuidado de não olhar e nem tocar no defunto.

“Tio Paulo” já tinha morrido quando foi levado ao banco para assinar o contrato (Ilustra Vecteezy/Freepik – Montagem JCarlos)

Aí, abro o jornal hoje (saudades de pegar em um jornal de papel) e vejo lá: “Mulher leva cadáver em cadeira de rodas a banco para sacar empréstimo, no Rio”. Fui procurar saber mais e vi uma matéria do jornal CNN Novo Dia, da CNN Brasil. A apresentadora Carol Nogueira não economizou adjetivos para descrever o fato: “bizarro”, “chocante”, “inusitado” e “surreal”. 

Em resumo, a história é que uma mulher levou o corpo do tio a uma agência bancária para assinar o contrato de um empréstimo já aprovado, e sacar os R$17 mil. Os funcionários do banco desconfiaram e chamaram a polícia, que constatou que o “tio Paulo” estava morto. A defesa da acusada, que está presa, diz que o homem morreu na agência e que a mulher, sobrinha do morto, é uma pessoa idônea.

 

DefunTur

O cara transportava defuntos para a faculdade de Medicina (Ilustra Befrunky/Revistadakombi/Freepik – Montagem JCarlos)

Tive um colega de serviço militar que antes de se alistar prestava serviços a uma faculdade de Medicina de Belo Horizonte como motorista, e era encarregado de buscar matéria-prima para as aulas práticas de anatomia humana.

Segundo ele, uma vez por semana ia até Barbacena (MG), distante 172 quilômetro de Belo Horizonte, para buscar os corpos de pessoas que morriam nos manicômios que existiam na cidade e que não eram reclamados por parentes. Os cadáveres eram colocados em uma kombi, amarrados nos bancos como se estivessem sentados. 

As viagens macabras eram realizadas à noite para não chamar atenção. Meu colega conta que apenas uma vez ele foi parado por uma patrulha da Polícia Rodoviária Federal. O inspetor conferiu os documentos dele e depois apontou a lanterna para os rostos dos viajantes, comentando: “Seus passageiros são tranquilos, né? Todo mundo dormindo”. A resposta foi que todos estavam muito cansados…

Deus me livre!

[Crônica L/2024]

Tags

Barbacena Belo Horizonte CNN Brasil Polícia PRF Serviço Militar 

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