11 de abril de 2024

De setembro não passa

Por José Carlos Sá

O bordão virou maldição (Ilustra JCarlos com pedacinhos colhidos na internet)

Chico Bittencourt (Cebê), um conhecido meu, tinha um pequeno sítio na área rural de Porto Velho (RO) onde passava os finais de semana com a família. Era um mês de abril como esse quando ele se deu conta que precisava contratar alguém para roçar a gleba, pois sozinho não daria conta, e o mato não dava trégua.

Decidido a encontrar alguém por ali mesmo, foi ao bolicho do Gaúcho onde indicaram o Zeca de Noca, morador da mesma região, que costumava pegar algumas empreitadas. Cebê foi até ele e ofereceu o serviço. Seria uma limpeza maior desta vez e depois só a manutenção. Zeca deu o preço e pediu o dinheiro adiantado, pois “as coisas não tão boa  aqui em casa. Falta até o sal”. Foi atendido.

Bittencourt teve que viajar a serviço e ficou mais de um mês sem ir ao sítio, quando finalmente apareceu, o mato estava grande. Nada havia sido feito desde a última vez que estivera lá.

Foi à casa de Zeca de Noca, mas o menino que atendeu disse que o pai tinha mandado dizer que saíra cedo e não sabia quando voltaria. Cebê deixou um recado para que Zeca fosse conversar com ele e explicar por que não havia cumprido a empreitada para o qual foi contratado e pago.

Certo de que havia jogado dinheiro fora, Chico contratou outra pessoa para fazer o roçado. Nas idas e vindas ao sítio, de vez em quando cruzava com o Zeca de Noca, que não tendo como se esconder, ficava parado no lado da estrada como se fosse parte da paisagem. De sacanagem o Chico inventou um bordão para cumprimentar o tratante toda vez que o visse: “Oi seu Zeca, bom dia! De setembro não passa!”

Quando me contou esse causo, perguntei ao Chico o porque de setembro. Ele não sabia. Disse que a palavra surgiu quando viu Zeca de Noca pela beira da estrada, fingindo que não estava lá. “Disse setembro, como poderia dizer ‘ano que vem’ ou outra coisa qualquer”.

Mas o melhor da história – ou o pior – é que no final do mês de julho daquele ano, Zeca de Noca apareceu morto perto do rio onde pescava. Apesar de o IML (Instituto de Medicina Legal) ter emitido um laudo apontando uma cirrose hepática como a causa da morte, Chico Bittencourt passou a ser considerado um feiticeiro pelos vizinhos. 

A sorte dele é que naquela época ainda não havia surgido a internet com suas redes sociais implacáveis.

[Crônica XLVII/2024

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IML maldição Porto Velho Rogar praga 

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