09 de abril de 2024

Colírio de piripiri

Por José Carlos Sá

Colírio de pimenta não refresca (Ilustra montagem JCarlos com imagens da internet)

As autoridades médicas e sanitárias de Moçambique, no sudeste africano, estão atualmente lutando em duas frentes na província de Cabo Delgado. No norte, a epidemia de conjuntivite bacteriana e hemorrágica já afeta sete das onze províncias do país. O outro problema sério é o combate à falta de informação. 

Os moçambicanos estão usando métodos caseiros para o autotratamento das conjuntivites e, com isso, causam danos sérios à visão. A imprensa local registrou esta semana casos de pessoas em que foi preciso a retirada cirúrgica dos  olhos “devido a perfurações irreversíveis provocadas pelo uso de substâncias como urina e combustível de veículos contra a conjuntivite hemorrágica”.

Além de urina e de combustível de veículos, outros “remédios” caseiros que estão sendo usados e igualmente provocam perfurações, queimaduras e cegueira total ou parcial são pasta de dentes, limão, água da praia, água e sabão e piripiri.

Essa última palavra me remeteu a uma música da década de 1970, do Paulo Diniz, em que “Piri Piri” se referia ao lugar de origem do “eu lírico” do poeta. Mas no caso dos moçambicanos é a famosa, terrível e ardida pimenta malagueta! 

No Brasil não é diferente

Quando li as notícias vindas de além mar, me lembrei que aqui no Brasil não é diferente no uso de receitas caseiras para tratar qualquer coisa. Nas vezes que tive conjuntivite, por orientação médica, usei  soro fisiológico gelado para lavar as pálpebras e nas compressas. Evitei os palpites que recebi e “que eram bons para qualquer inflamação dos olhos”, que podem ser conjuntivite, terçol ou a uveíte.

As sugestões são diversas, algumas “de família” e outras estão à disposição nos sites indicados pelo Dr. Google. Minha mãe se lembra de alguns remédios de que ela já ouviu falar para conjuntivite e terçol: 

“(1) Pegue uma folha de arruda, põe em uma vasilha e deixe no sereno de um dia para o outro, com a água que ficou do sereno, lave a vista que está com o terçol;  (2) Quebrar um dente de alho ao meio e passar no terçol;   (3) Pegar uma aliança de ouro e esfregar na palma da mão e quando estiver quente passar no terçol”. Além dessas opções, D. Nilta lembrou de mais uma solução doméstica para doenças oculares: leite materno. “Eu mesma já usei aqui em casa para lavar os olhos em caso de conjutivite”.

Em uma rápida pesquisa – só considerei a primeira página que apareceu – listei algumas sugestões indicadas por influencers brasileiros de compressas com

  1. solução de calandula (bem-me-quer);
  2. chá de hidraste;
  3. água fria;
  4. água com sal; 
  5. cenoura ralada; 
  6. chá de chicória; 
  7. gotas de limão;
  8. suco de maçã;
  9. óleo essencial de lavanda; 
  10. mel;
  11. crajiru; 
  12. babosa. 

No entanto, nem uma delas supera o piripiri moçambicano.

Leia essa crônica e sorria, mas em caso de qualquer inflação nos olhos, consulte um médico!

No mapa

Moçambique fica distante 9.239 quilômetros do Brasil, mas é fácil chegar lá: é só atravessar o Oceano Atlântico, e quando passar o Cabo da Boa Esperança (ex-Cabo das Tormentas) quebre à esquerda no Oceano Índico. O país fica em frente à ilha de Madagascar. É de lá a origem de 12% das pessoas escravizadas trazidas para o Brasil nos séculos 16 a 19.

 

[Crônica XLVI/2024]