Lembrei hoje de uma aventura ocorrida em agosto de 1997 durante um voo regional entre Porto Velho e Vilhena (RO), ainda na época do antigo aeroporto do Belmont. As dificuldades começaram pelo horário do voo, às seis da manhã, fazendo com que o dia da viagem começasse às quatro da madrugada.
Poucos minutos antes do embarque, o agente aeroportuário convocou – no grito – os passageiros, todos os quatro, e distribuiu para cada um de nós uma caixinha de papelão contendo o lanche para o voo previsto para durar pouco mais de três horas. Curioso, no caminho para a aeronave, conferi o que seria o nosso desjejum: três prosaicas bolachinhas salgadas, dois tabletes de cereais e uma caixinha cujo rótulo dizia conter suco de laranja.
Embarcamos no aparelho Caravan 208 que fazia o trecho Porto Velho – Cuiabá (MT). Quem já viajou em uma aeronave dessa sabe que não há divisão física entre a tripulação e os passageiros. Há quem compare o Caravan a uma Kombi.
Logo após a decolagem, ouvindo a conversa da cabine de comando, ficamos sabendo que o copiloto era quem comandava o avião. Pelo diálogo entendemos que ele não estava familiarizado com o equipamento. Mas não houve problemas.
Aterrissamos em Ji-Paraná, a 370 km de Porto Velho, e foi determinado o nosso desembarque, já que não havia visibilidade para a decolagem. Antes de prosseguir, vale um parênteses. Enquanto aguardávamos um outro avião aterrissar, ouvimos a conversa entre os dois pilotos. O que ia aterrissar teve que arremeter e avisou ao nosso piloto: “Cuidado, tem uma carroça estacionada na cabeceira da pista!” Um dos passageiros embarcados em Ji-Paraná disse aos demais que aquilo era normal. Os sitiantes deixavam o gado invadir a área do aeroporto. Também era comum ver cavalos, cães e crianças atravessando a pista.
Por falta de teto, não aterrissamos em Cacoal, seguindo direto para Vilhena e recuperando o tempo perdido em Ji-Paraná. Como escrevi lá em cima, o copiloto estava treinando e, por isso, demos muitas voltas sobre o aeródromo (é assim que se chama oficialmente), aumentando o nosso desconforto. Enfim, desembarcamos.
E a volta?
Em Vilhena, enquanto aguardávamos a autorização para o embarque de volta a Porto Velho, ficamos observado o reabastecimento do avião, e vimos o piloto se dirigir à lanchonete do aeroporto. Minutos depois ele retornou com uma sacola de plástico na mão.
Eu disse então para o meu companheiro de viagem, o professor Wanderley Trentin: “Eles se cansaram do lanchinho e foram comprar um reforço”. Dito e feito. O comandante entregou o pacote ao companheiro dizendo: “Sei que você está com fome”. Na nossa caixinha de lanches não teve reforço, apenas uma troca: ao invés do suco fake de laranja tinha um achocolatado.
O treinamento e a familiarização do copiloto com o Caravan 208 continuou no voo de retorno.
Estávamos sentados logo atrás da tripulação e ouvíamos toda a conversa da cabine. O piloto mais experiente – como os velhos mestres – tomava a lição do aprendiz: “Se colocamos tanto de combustível e voamos tanto, quanto que ainda temos?”. Um momento para o cálculo e o copiloto deu a resposta. Com um gesto negativo o piloto disse que a resposta estava errada e emendou: “Sabe o que aconteceria? [Pausa…] A gente caía”.
O voo seguiu sem contratempos, com as duas escalas feitas sem problemas. No trecho entre Ji-Paraná e Porto Velho, que é maior, a tripulação ficou com fome e abriu o farnel. Quando abriram a embalagem, um cheiro de fritura tomou conta de todo o interior do avião e identificamos imediatamente o salgado: eram risólis e deviam estar nadando no óleo. O professor Trentin, respirando fundo disse: “Agora só falta uma Fanta laranja…”
Chegamos a Porto Velho, e os procedimentos de aproximação e descida foram repetidos inúmeras vezes (para o meu desespero, que queria pisar em terra firme logo). Enfim aterrissamos com um tranco.
Na saída ouvimos os agradecimentos: “Muito obrigado, esperamos vê-los em breve, em outros voos”. Respondi (baixinho) por mim: “Até nunca!”.
[Crônica XLIII/2024 – Texto originalmente publicado na sessão Espaço da prosa do jornal Alto Madeira, de Porto Velho (RO), edição de 27 de agosto de 1997]