Ao ser pego em flagrante delito em um crime de “adultério presumido”, quase foi espancado pela esposa. É que numa festa, distraidamente, olhava de rabo-de-olho para dentro do generoso decote (como dizia Nelson Rodrigues) da amiga dela. Ainda no carro, voltando para casa, o bicho pegou.
Em defesa própria disse que olhava apenas por curiosidade, sem desejo ou maldade. Isso não bastou. Ela o xingou de tudo quanto foi nome, além da indefectível chantagem emocional: “Pensei que eu bastava para você, que quando estivesse comigo você só via a mim. Mas não! Você não pode ver um par de peitos, de pernas ou de bundas, para arreganhar esse olho grande!” E por aí foi, recitando um monólogo quase sem fazer pausas.
Nos breves espaços em que ela parava de falar para respirar ele tentava se justificar, dizendo que todos os homens agiam daquela maneira e que ele não era diferente.
Por infelicidade, lembrou de usar um argumento – que acreditava ser indefensável – “Por que as pessoas lêem a Playboy? Não é para olhar para as mulheres nuas? O decote da sua amiga me lembrou o decote da Andrea Guerra*, da revista deste mês…”. Mas a estratégia da defesa fracassou antes que o ponto de interrogação acabasse de ser pronunciado.
A reação àquela comparação foi instantânea, ela começou a dar socos no braço dele, gritando: “Não tô dizendo que tu é mesmo cínico? Já estava até conformada, pois fiquei convencida de que você é como o resto de sua laia, mas comparar fulana com as mulheres que saem na Playboy, aí já é demais. Não fale mais comigo!. A partir de hoje você vai dormir no sofá da sala, seu doente!”.
* Andrea Guerra era modelo, que fazia sucesso na década de 1990, decorando capas de revistas, saindo como rainha de bateria de escola de samba ou fazendo pontas em novelas da TV Manchete e SBT, além de um caso especial da TV Globo.
[Crônica XXXV/2024 – Texto inspirado em uma conversa ouvida no bar e publicado originalmente no jornal Alto Madeira, de Porto Velho, edição de 6 de maio de 1998]