Estacionei o carro de forma que a parca iluminação incidisse sobre o motor. Mexi aleatoriamente, encontrei o defeito e resolvi. Entrei no bar – que tinha apenas a porta lateral aberta e só uma lâmpada interna acesa, passei por uma mesa de sinuca onde uma mulher estava deitada, encolhida na posição fetal.
Lavei as mãos e pedi uma cachaça. O dono do bar, um velho de barba rala, aparentava carregar uma infelicidade do tamanho do mundo. Arrastando os pés, serviu-me a pinga e – sem que eu perguntasse – disse, apontando para a mulher: “Essa aí desgraçou a vida de dois homens”. Olhei para o corpo imóvel e virei “todo ouvido” para o velho.
“Ela era casada com o Manicoré, e moravam no sítio aí em frente. Um dia largou ele e os meninos e sumiu. Manicoré, de desgosto, passou a beber muito e também foi embora, deixando os filhos com o sogro. Outro dia ela apareceu de novo e voltou para a casa do pai. Vinha aqui na taberna comprar uma coisinha ou outra, uma lata de cerveja…
E começou a se engraçar com o Zé, que trabalhava aqui comigo. Zé começou a ficar vagabundo, não queria fazer nada. Até que hoje de manhã peguei os dois namorando, lá no fundo do sítio, perto do rio. Olharam pra mim como se eu não fosse ninguém e continuaram o que estavam fazendo.
Voltei para a taberna e eles vieram logo depois. Briguei com o Zé e ele riu. Respondeu que iria embora com ela, e que eu pagasse o tempo que trabalhou aqui. Bati com uma pernamanca na cabeça dele e o Zé morreu na hora. Tá lá deitado na minha cama. Vim aqui fora e ela estava sentada na mesa de sinuca. Cheguei perto e enfiei a faca no bucho dela até sentir o osso. Ela nem gemeu, ficou aí deitada”.
Engoli a cachaça de um gole, sentindo com mais intensidade o ardor da bebida. O velho fez um aceno, como se espantasse uma mosca, dispensando o pagamento, apenas pediu uma carona até Candeias para se entregar para a polícia. Concordei, e antes que ele desembarcasse na porta da delegacia, perguntei a razão dele ter matado o casal. A resposta foi curta e direta:
– Zé era meu marido!
[Crônica XXXV/2024 – Baseado em uma história real. Publicado originalmente no jornal Alto Madeira – página Lítero-Cultural, edição de 23/09/1994]