Desde menino Herculano Paixão demonstrava uma certa obsessão pelos ritos da igreja católica. Aos domingos “Erquinho”, como era chamado por todos, andava duas léguas para ajudar o padre da igreja de Canto do Buriti, no sertão piauiense.
Em casa os irmãos caçoavam dele e o apelidaram de “beatinho” e “rato de sacristia”, mas ele nunca deu importância e fazia as novenas com a mãe, também muito religiosa. Nos dias santificados, se recusava a trabalhar na roça com o pai e até mesmo nadar no açude para rezar ao pé do simplíssimo oratório.
A mãe o tinha como o filho predileto, o que causava inveja nos irmãos e rendia alguns tapas, quando ela não estava por perto. Com o tempo, Erquinho se tornou mais religioso e o padre da cidade conseguiu uma vaga para ele em um seminário em Teresina. Foi o melhor aluno e se ordenou padre, indo tomar conta da paróquia de Nossa Senhora das Mercês, ali mesmo na capital.
Há salguns dias a cozinheira do padre, uma mulher de 70 anos e que ajudou pessoalmente na construção da igreja, morreu e o padre Herculano pediu, ainda durante a missa de sétimo dia, que se soubessem de uma cozinheira que indicassem.
Logo depois da missa, antes mesmo do padre ter tido tempo de tirar os paramentos, a primeira candidata se apresentou na sacristia. Após uma breve entrevista, Maria de Nazaré, de 22 anos, foi contratada e começou a trabalhar na casa anexa à igreja.
No último domingo, as beatas chegaram cedo para assistir a missa das seis da manhã e deram com as portas da igreja fechadas. Depois de muito esperar, foram à casa do padre e não encontraram nem um sinal dele. Nem da cozinheira.
Depois, soube-se que Herculano viajou com Maria de Nazaré e que estavam hospedados em um hotel em Fortaleza, registrados como marido e mulher.
[Crônica XXIX/2024 – Texto original publicado no jornal O Guaporé, de Porto Velho (RO), edição de 25 de outubro de 1990, inspirado em uma matéria de jornal cuja manchete era: “Padre fugiu com a cozinheira”]