12 de março de 2024

Maria das Candongas

Por José Carlos Sá

Para Maria das Candongas nada estava bom (Ilustra mosaico de imagens da Internet/JCarlos)

Vocês já viram o comportamento de um cachorro com pira*? Pois é, é triste. O animal fica arredio, olha para as pessoas com olhar de desconfiança, e qualquer movimento brusco em direção a ele, o pobre coloca o rabo entre as pernas e se recolhe em seu cantinho, para se proteger na invisibilidade.

Conheço pessoas com comportamento semelhante. Maria das Candongas é um exemplo.

Parece sofrer de uma doença em que uma disfunção cerebral faz com que ela veja o mundo na cor cinza. E não é só o mundo. Ela vê as pessoas que a cercam assim também, como se não tivessem cor, não tivessem graça. 

Se você deseja um bom dia, ela retruca: “pra quê?” E se o dia está bonito, com sol e a temperatura está agradável, Maria das Candongas lembra que há 23 anos, seis meses e nove dias – nesse mesmo dia – ela sofreu uma crise de erisipela que a traumatizou. Se o  jornal noticia que o pagamento do funcionalismo sairá antes da data, ela diz apostar que é golpe: “Atrás disso vem coisa”.

Maria das Candongas segue vivendo (vivendo?) assim, como leite azedo, fermentando tudo em sua volta. Cachorro com pira tem cura. E a Maria terá?

[Crônica XXVIII/2024 – Texto original publicado no jornal Diário da Amazônia, Porto Velho, 29 de agosto de 1995]

* Pira = sarna

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Crônicas Maria das Candongas O Guaporé PortoVelho 

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