05 de março de 2024

Abrindo a porta para o ladrão

Por José Carlos Sá

Fortaleza de São José da Ponta Grossa (Foto JCarlos)

Imagine numa situação hipotética. 

Você recebe em sua casa uma pessoa desconhecida, oferece comida, bebida e, no decorrer da conversa, mostra que a sua residência é segura, tem alarmes, armadilhas, mas que tudo isso pode ser neutralizado se for digitada uma senha simples, 1-2-3-4, pois você confia na eficiência dos equipamentos.

Alguns dias depois, a casa é invadida, furtada e a polícia não encontra sinais de arrombamento, e o sistema de segurança está funcionando normalmente. Sim. Quem entrou e furtou a casa foi aquele cara a quem você confiou os segredos da sua segurança.

Agora uma situação real.

Só faltou aos portugueses sinalizar o caminho para os espanhóis invadirem a ilha (Foto JCarlos)

Tropas militares invadem um país e surpreendem o inimigo chegando pelos fundos de uma de suas fortificações. Se você conhece a história de Santa Catarina já deve saber que estou falando da invasão espanhola de 1777.

Cumprindo a ordem do rei espanhol Carlos III, o vice-rei do Rio de La Plata, dom Pedro Antonio de Cevallos Cortés y Calderón partiu do porto de Cádiz, na Espanha, no dia 13 de novembro de 1776, comandando uma força militar que era composta por centenas de embarcações (há controvérsias, se eram 121, 117 ou 115), armadas com 920 bocas-de-fogo.

 Depois de atravessar o Oceano Atlântico, desembarcou seus soldados na praia de Canasvieiras, no norte da Ilha de Santa Catarina, e foram por terra, surpreendendo a guarnição portuguesa aquartelada na Fortaleza de São José da Ponta Grossa. 

Frente à superioridade das forças invasoras, o comandante da fortificação se rendeu, assim como os outros chefes militares dos fortes de Santa Cruz (Ilha de Anhatomirim) e Santo Antônio (Ilha de Ratones). A população civil fugiu para o continente. Dizem que o lugar preferido para se esconder era o atual bairro Sertão do Maruim, em São José. Na Revolta Federalista de 1893, o local também serviu de abrigo a quem fugia da guerra.

 

Mão beijada

As forças espanholas neutralizaram as defesas da ilha de Santa Catarina sem dar um tiro (Foto JCarlos)

O fato que chamou minha atenção, nesse episódio, foi  a estratégia da força militar espanhola em não entrar na Baía Norte com os navios e enfrentar os canhões das fortalezas – o chamado Triângulo Defensivo. Optando por desembarcar em Canasvieiras e atacar por terra. Os espanhóis andaram aproximadamente dez quilômetros e bateram na porta dos fundos da fortificação, prenderam a sentinela e o restante da guarnição. O comandante, coitado, não teve outra alternativa a não ser capitular.

Depois, lendo aqui e acolá, vi que em anos anteriores à invasão espanhola, um viajante espanhol, em demanda ao Rio da Prata, desembarcou na Vila de Nossa Senhora do Desterro e foi recebido pelo comandante português encarregado da defesa da Ilha de Santa Catarina. Como bom anfitrião, o militar mostrou ao visitante todo o sistema de defesa que existia, destacando os pontos fracos e fortes. É o que chamam hoje de “sincericídio”.

O visitante era, senhoras e senhores, Dom Pedro Ceballos!

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No domingo (3/3), visitamos a Fortaleza de São José da Ponta Grossa, no norte da Ilha de Santa Catarina. Entre outros banners que orientam os visitantes existe um que sempre atrai  minha atenção desde a primeira vez que visitamos o local. Nele está escrito assim: “1777 – Ponta Grossa foi a primeira fortaleza tomada pelos espanhóis e o local onde foi assinada a rendição portuguesa”. 

Esta é a causa desta postagem.