As metáforas utilizadas por Chico Buarque de Hollanda na música “Pedaço de Mim”, lançada em 1979, para descrever a dor da saudade sempre me impressionaram pela profundidade. As alegorias – um barco, um membro amputado, um quarto vazio que foi do filho – se superam entre si conforme a vivência de cada pessoa.
A música foi composta como parte da peça musical (depois filme) “Ópera do Malandro”, obra escrita pelo Chico Buarque em parceria com o cineasta moçambicano Ruy Guerra, em 1978. A história se passa no bairro carioca da Lapa dos anos 1940 e fala sobre a legalização do jogo do bicho, prostituição e contrabando.
Ela é a trilha para Terezinha (filha do casal de cafetões Duran e Vitória), que é apaixonada pelo contrabandista Max Overseas, inimigo de seu pai.
Se no contexto da peça, “Pedaço de mim” servia de apoio para uma história de amor impossível, na vida real, a inspiração do Chico Buarque foi a tragédia vivida pela estilista Zuzu Angel. Na época mais repressiva da ditadura (1964-1985), ela enfrentou os militares por causa do desaparecimento e assassinato do filho dela Stuart Angel, que foi preso, torturado e morto nas dependências do CISA (Centro de Informações da Aeronáutica), na Base Aérea do Galeão, em 1971. Zuzu Angel morreu em um acidente suspeito de carro na madrugada de 14 de abril de 1976.
As metáforas
O Chico resumiu assim a dor e a saudade de Zuzu:
“(…) A saudade é o pior tormento / É pior do que o esquecimento / É pior do que se entrevar (…)”;
“(…) A saudade dói como um barco / Que aos poucos descreve um arco / E evita atracar no cais (…)”;
“(…) A saudade é o revés de um parto / A saudade é arrumar o quarto / Do filho que já morreu (…)”;
“(…) A saudade dói latejada / É assim como uma fisgada / No membro que já perdi (…)”;
“(…) a saudade é o pior castigo / E eu não quero levar comigo / A mortalha do amor / Adeus”.
[Crônica X/2024]