Na fila do Banco do Brasil – que dava voltas no interior da agência – eu devaneava quando alguém chamou minha atenção. A cliente que estava atrás de mim disse alguma coisa relacionada com os meus olhos.Eu não conseguia entender o que ela falava, por isso imaginei que os olhos estavam sujos ou algo parecido.
Na terceira vez que repetiu o comentário é que entendi: Ela achava que os meus olhos pareciam com os do Chico Buarque. Sorri encabulado e nada respondi.
Ela insistiu: “Vi um show do Chico e não conseguia desviar meus olhos dos olhos dele, e eles são muito parecidos com os teus. Ninguém nunca comentou isso com você?” Respondi que não, que apenas eu pensava ser parecido com o Chico, mas nunca ousei comentar, sequer, comigo mesmo.
Voltei ao meu mundo interno, enquanto a fila avançava dois passos. Eu ainda estava muito distante do caixa. Os relógios marcaram 12h30, mas o meu estômago roncava impaciente.
Ouvi novamente a voz da minha colega de infortúnio, digo, de fila. Ela dizia agora que também achava o meu perfil semelhante ao do Chico, “igualzinho”. Não sabia o que dizer. A minha timidez aflorou com mais força (devo ter ficado com as faces rubras), só consegui responder que a semelhança com o Chico – a que admito – se restringem ao gosto pela poesia e pela cerveja.
Consegui colocar um ponto final em um papo que iria, já-já, tomar outro rumo, até porque eu não tenho o talento do Chico de transformar uma conversa banal, de fila de banco, em poesia ou outra coisa qualquer.
Paciência.
[Crônica IV/2024 – Texto publicado originalmente no jornal Alto Madeira, de Porto Velho (RO), em 15 de maio de 1998]