29 de janeiro de 2024

A importância do “nada-deve”

Por José Carlos Sá

Li na edição dominical (28/01) da Folha de S. Paulo que o deputado federal e delegado da PF Alexandre Ramagem (PL-RJ), ao deixar o cargo de diretor geral da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) em 30 de março de 2022, não compareceu a “uma entrevista em que o servidor se compromete a manter a confidencialidade dos atos relacionados à sua atividade na Abin”. Além disso, ele está sendo acusado de não ter “passado por um checklist patrimonial obtendo uma declaração formal de todos os setores de que ele devolveu os equipamentos que, por ventura, estava usando”.

O processo foi iniciado quando a Polícia Federal, cumprindo um mandado de busca e apreensão, encontrou no endereço relacionado a ele “um computador, um aparelho celular e possivelmente pendrives físicos de criptografia de propriedade da Abin”.

“Pode ficar com as cuecas”

Do lado direito da foto, alguns dos itens iguais aos que eu recebi quando entrei na Aeronáutica. Uma explicação: Os talheres eram jocosamente chamados de “ferramentas de sapa”, um objeto destinado a cavar trincheiras (Foto arquivo/montagem JCarlos)

Enquanto lia o enrosco do delegado, me lembrei do dia da minha baixa da Aeronáutica. Percorri o Parque Aeronáutico de Lagoa Santa – MG, de sessão em sessão (até aquelas em que nunca tinha entrado antes e nem sabia em que trabalhavam), colhendo as assinaturas dos militares responsáveis que atestavam que eu não tinha pendências ali. O documento “Nada Deve” era um formulário mimiografado (a Xerox ainda não dominava o mercado das cópias) onde se declarava que o interessado havia devolvido tudo que estava sob sua responsabilidade, seja armamento, documento ou vestuário.

A última etapa era o almoxarifado, onde você entregava a farda e vestia a roupa de ‘paisano’ (como se dizia antigamente) ou de civil, como é mais comum falar.

Fiz questão de devolver tudo que estava em meu poder, inclusive as cuecas que recebi quando era recruta. Elas eram grandes demais para o meu corpitcho – não era possível trocar, pois não havia meio termo, ou eram grandes demais ou pequenas demais – e nunca as usei. O soldado responsável pelo recebimento do fardamento se recusou a receber a devolução: “Que é isso, cabo, pode ficar com as cuecas!” Mas eu as deixei, mesmo assim, sobre o balcão, com a observação que estavam novas, nunca tinham sido usadas.

Já o “pimpão” – uma ceroula de algodão – este eu usei bastante sob a farda nas noites frias em que eu estava de sentinela, e devolvi com um aperto no coração. Na época em que eu fiz o serviço militar, você recebia dois conjuntos de uniformes de cada tipo: um de ginástica, um de instrução, um de serviço e dois de “sair”, além da roupa de baixo (as cuecas e o pimpão). Também recebemos um jogo de talher, que era articulado, encaixando uma peça na outra, e uma caneca de aço inoxidável. O capacete, a pistola e o fuzil, com as respectivas munições, recebíamos quando necessário.

Do serviço militar guardei apenas fotografias e muitas boas lembranças e práticas que adotei na vida e que me foram úteis para chegar até aqui.