Era a terceira vez que procurava o pediatra em dois dias. Desde que substituiu o leite materno pela papinha, o bebê não parava de passar mal, com cólicas, vômitos e diarréia. A carinha, inchada, estava coberta de brotoejas. O médico – já muito idoso – cuidou de toda a família, mas não conseguia atinar com o mal que afligia o pequeno.
A mãe, pelo que dizia, tinha usado alimentos saudáveis para preparar a papinha. A condição social lhe permitia encomendar e receber alimentos de boa procedência, alguns importados de países distantes – do outro lado do mundo até – para satisfazer as necessidades da família, nos mais variados graus de excentricidade.
O médico solicitou uma bateria de exames para verificar o que causava o desconforto da criança. De posse dos resultados, telefonou para os pais e pediu uma conversa com eles, o mais urgente possível. O desesespero tomou conta da casa. O casal, junto com os avós, tios e agregados, se movimentavam por todo lado, nervosos, esperando a chegada do doutor e já antecipando que ele traria uma notícia muito ruim.
Reunidos na sala de jantar, ao doutor foi destinada a cabeceira da mesa, em torno da qual todos estavam sentados, em um estranho silêncio para aquele ambiente sempre ruidoso. Depois de pigarrear, o médico da família começou a falar que tratara de todos que estavam ali e de mais alguns que residiam em outros lugares, e que nunca tinha visto aquilo. E então disse:
– A família de vocês vêm, há séculos, mantendo a linhagem sem alterações significativas, mas agora encontrei uma situação nova, absolutamente obscura. Consultei colegas em outros países, que alegaram desconhecer completamente esta situação. Estou, sinceramente, desorientado. Toda a minha experiência não é capaz de explicar isso…
– Doutor! – atalhou o pai – fale de uma vez!
– O menino, descendente direto do príncipe Vlad Tepes Dracul, é alérgico a sangue! A qualquer tipo de sangue. Se ele tomar sangue ou qualquer uma de seus derivados, ele morre. E morre para sempre!
[Conto II/2024 – Inspirado numa ideia desenvolvida juntamente com o colega de Correios Olivier Zoroastro, nos idos de 1972, para se tornar uma peça de teatro infantil. Nunca realizamos o projeto e faço aqui a minha homenagem ao Olivier, que não sei por onde anda]