Concluí a leitura do livro “O discípulo da Madrugada ” (Editora Planeta, São Paulo/2014), escrito pelo padre Fábio de Melo e indicado pelo amigo Edson Batista. Na obra acompanhamos um homem, o narrador, que busca Jesus poucos dias antes do nazareno ser condenado à morte.
Ficamos sabendo que era uma pessoa “desassossegada” por pensar na personalidade de Deus a partir da interpretação das antigas escrituras, onde o Divino era o Rei dos Exércitos, um pai cruel, vingativo, centralizador e extremamente ciumento. É citada a passagem em que Deus, para testar a fidelidade de Abraão, o manda sacrificar o filho Isaac em prova de obediência. Isaac foi salvo aos 45 do segundo tempo por um anjo dando a contra-ordem.
Ao encontrar Jesus, o narrador se surpreende, pois o Deus apresentado ao povo da Judeia era outro. Era um Deus de perdão, de amor, de compreensão. Após o Sermão da Montanha, ele acompanha os seguidores de Jesus até uma aldeia, em que é recebido em uma conversa particular, quando expõe suas angústias e ouve esclarecimentos, e é explicada a reinterpretação da Leis Sagradas.
O novo seguidor, que se denomina “o apóstolo da madrugada” – hora em que foi recebido por Jesus – , narra os últimos momentos do Messias e a covardia dele próprio em não interferir em nada, nem com um grito de protesto, contra a prisão, humilhação e execução do Cristo.
A forma narrativa/didática que o padre Fábio de Melo usou para explicar a aparente dupla personalidade de Deus é eficaz. Eu já tinha o entendimento de que a interpretação da Bíblia deve respeitar a época em que foi escrita, as tradições e cultura de então e não fazer uma simples aplicação do que foi escrito há muitos mil anos na realidade de agora.
Coadjuvantes
No decorrer da leitura, duas figuras foram roçadas pelo texto e despertaram a minha curiosidade. Quem realmente foram Pilatos e Verônica?
O primeiro, citado na oração do Credo [“(…) padeceu sob Pôncio Pilatos (…)”], foi o governador da Judeia que teria “lavado as mãos” sobre o destino de Jesus, deixando para que o povo escolhesse se seria libertado ou executado, já que não havia uma acusação formal, além da pregação das reinterpretações teológicas.
Verônica, por sua vez, aparece durante a Via Sacra, no caminho ao Gólgota onde Cristo seria executado. Ela canta uma canção e enxuga o suor e o sangue do prisioneiro. Conta a história que a toalha de linho usada para isso ficou com a imagem do rosto de Jesus estampada no tecido.
Como quase tudo que se refere à época em que Jesus viveu, não há documentos fidedígnos, então os pesquisadores baseiam suas teorias sobre textos escritos até séculos depois que os fatos ocorreram e foram sendo alterados ao gosto do freguês.
Pilatos
Sobre Pôncio Pilatos, sabe-se que foi governador da Judeia de 26 d.C. a 36 d.C, nomeado pelo imperador romano Tibério Cláudio Nero César, e que estava em Jerusalém – ele morava na capital da província, Cesareia -, por ocasião de festas, para prevenir tumultos entre os peregrinos. Após o episódio da crucificação, só há documentos sobre Pilatos quando é chamado à Roma para dar explicações sobre um conflito em que as tropas mataram samaritanos rebelados. No entanto, quando chegou à capital Tibério havia morrido e o sucessor, Nero, não teria dado prosseguimento ao inquérito. Não se sabem as circunstâncias da morte de Pilatos (dizem que foi suicídio) e onde foi enterrado.
Verônica

Nem no nome do quadro há consenso: Santa Verônica ou Sudário do Mestre de Flémalle (de Rogier van der Weyden, Mestre de Flémalle, em 1430/Reprodução)
Acompanhando procissões em que se cumpre a chamada via-crucis ou via-sacra, em que cada estação retrata um fato que ocorreu no caminho entre o pretório (local do julgamento) e a execução de Cristo no Calvário, sempre fiquei intrigado com a cena da Verônica, mas a curiosidade acabava imediatamente após a cena ser concluída. Agora, lendo o livro, a personagem apareceu e aproveitei a oportunidade para saber mais sobre ela.
Para começar, a personagem é conhecida como Verônica ou Berenice (também há referência ao nome Marta de Betânia, e Serafia), e teria sido curada de uma hemorragia (Mateus 9:20-22). Há narrativas de que teria tentado testemunhar em favor de Jesus perante Pilatos, mas como era mulher, a sua argumentação não teve valor.
O episódio da toalha marcada com a imagem de Cristo só apareceria no livro “Meditações sobre a vida de Cristo”, escrito em 1380 por Giovanni de Caulibus. O manuscrito é dscutido até os dias de hoje, pois a autoria também é atribuída a São Boaventura.
Ou seja, continuo na ignorância. Agora menor.