Uma receita sugerida como sobremesa para o almoço de natal, publicada no jornal Estado de Minas, me fez lembrar de um trauma que carreguei desde a infância, só me liberando dele quando eu estava por volta dos 35 anos: a repulsa, aversão, abominação, repelência e repugnância ao jiló (Solanum aethiopicum).
Sim, a fruta amarga, usada em pratos da culinária mineira, combinado com o bife de fígado, com a carne seca e/ou de sol, com o frango ensopado e até o jiló ao escargô. Alguns conterrâneos, além de gostar de comer o jiló nas várias combinações, ainda alimentam os passarinhos com a fruta.
Castigo
A história foi assim:
Um dia apareceu em nossa casa (morávamos ainda em Belo Horizonte) uma tia da qual não sabíamos a existência. Surgiu assim, como se acende uma lâmpada. As explicações sobre o aparecimnto repentino de uma irmã do meu pai só soubemos algum tempo depois que ela desapareceu da mesma forma que surgiu: num estalo de dedos.
Essa tia – que vou chamar de Julieta, para não dar moral para ela – falava com um sotaque carioca muito carregado e sempre repetia que tinha ido “passar uma temporada na casa do Zé Carlossss (pai)”, mas não dizia o porquê. No começo da visita inesperada, ainda na fase da curiosidade, eu achava a palavra “temporada” o máximo! Era um termo que não estava no nosso vocabulário habitual e eu via a palavra, vez ou outra, em alguma notícia referente ao verão nas cidades praianas.
Com o tempo a novidade passou e virou um suplício, principalmente para mim, a convivência com a tia carioca. Eu fazia as tarefas rotineiras de casa, que eram dividida entre os irmãos em sistema de rodízio (quem encerava a casa, no outro dia varria o quintal e assim por diante) e ela fica supervisionando, mas eu era o alvo preferencial. Dizia que o que eu fazia não estava bom e mandava refazer.
Um dia me rebelei e devo ter falado alguma coisa de que não gostou. Fui levado para a cozinha e obrigado a comer uma salada de jiló que ela havia preparado para si. Deus sabe como comi aquela coisa.
Reclamei para mãe, que não podia fazer nada, e ainda passava o dia fora no trabalho. Mãe aconselhou que eu evitasse a cunhada: “Se ela estiver na cozinha, vá para a sala; se estiver na sala, vá para o quintal…”, como se isso resolvesse em uma casa pequena e o pior, brincar na rua era expressamente proibido, quase um pecado capital.
Consegui sobreviver à tia e ao jiló.
Refogado
Já morando em Porto Velho, fui almoçar em um restaurante “mineiro” que pertencia a um goiano (quase a mesma coisa) e ví um refogado de jiló. Pensei que era hora de superar meus fantamas e traumas. Me servi de uma pequena porção e, enquanto levava o prato para a mesa lembrava da história – essa que contei agora. Consegui comer sem problemas, mas o jiló não conquistou minha preferência e nem frequenta minha mesa como o quiabo, o xuxu, o maxixe, a couve e a abóbora. Mas valeu a experiência.