22 de dezembro de 2023

Visitando Carlos Drummond de Andrade – Desenterrando raízes

Por José Carlos Sá

Há lugares em que você entra e se contém em reverência; em outros, o comportamento é de contentamento, de descoberta. Há também aqueles em que só há a contemplação, sem envolvimento emocional. Fomos a três lugares que reunem as três coisas em cada um deles.

No caminho entre Contagem e Teófilo Otoni, passamos por Itabira, para conhecer a cidade em que nasceu o poeta e cronista Carlos Drummond de Andrade. A visita não estava programada e a ideia surgiu quando a Marcela viu uma placa rodoviária informando quantos quilômetros faltavam para chegar lá. Não pensamos duas vezes antes de desviar a rota.

Casarão onde Carlos Drummond de Andrade morou dos dois aos treze anos (Foto JCarlos)

Apesar do nome e da intenção, o local abriga, na verdade, livros, desenhos infantis, documentos e fotos da filha de Carlos Drummond de Andrade, a escritora Maria Julieta Drummond de Andrade (+1928*1987). O foco da exposição é ela, mas isso não é avisado à entrada do recinto.

CDA visto pela filha Julieta (Foto JCarlos)

No entanto, em algumas salas da casa-museu, uma espetacular coleção de quadros de autoria da artista plástica mineira Yara Tupynambá, inspirada na homenagem póstuma “A mesa”, onde CDA descreve a festa que gostaria de ter feito para o pai dele, Carlos de Paula Andrade. São 340 versos em uma única estrofe, transpostos para 19 painéis. Foram retratadas pessoas vivas à época da pintura, como o próprio Carlos Drummond, e amigos do homenageado mortos há muito tempo.

Carlos de Paula Andrade visto por Yara Tupynambá. “Ó velho, que festa grande hoje te faria a gente”, escreveu Drummond em A Mesa (Foto JCarlos)

Carlos Drummond de Andrade aos dois anos – Obra Yara Tupynambá. “Não sou um sujeito ruim/ Descansa, se o suspeitavas, / mas não sou lá essas coisas”. Outros versos de A Mesa (Foto JCarlos)

“É o Drummond!”

O Museu de Itabira é o sobrado à direita (Foto JCarlos)

Atravessamos a rua Major Lage e entramos nbo Museu de Itabira, que é mantido pela Prefeitura. Visitávamos as exposições contando história da cidade, em seus vários ciclos econômicos, onde a mineração do minério de ferro é o elo entre todas alas, quando vi sobre um console no corredor um telefone antigo, com a placa: “Quando o telefone tocar, por gentileza, atenda!”. O aparelho tocou e ouvi a voz suave do poeta, falando comigo de muito além. Carlos Drummond recitava para mim um de seus poemas (que não me lembro qual foi).

“Peguei o telefone, ouvi aquela voz mansa inconfundível…” (Foto JCarlos)

Esperei ele terminar de ler e falei para a Marcela que vinha em minha direção: – É o Drummond! Ela pensou que fosse uma graça minha, mas pegou o aparelho e levou ao ouvido. Em poucos segundo minha esposa estava encostada à parede, debulhada em lágrimas. Ela contou como foi na conta pessoal do Instagram: “(…) Peguei o telefone, ouvi aquela voz mansa inconfundível e, pronto, me entreguei. Cada verso de “Caso do Vestido” eu senti com o coração, sensação aumentada pelas vivências. Passei o dia todo envolvida naquela emoção que vou guardar para sempre.”

O poema Agrotortura, de Drummond, serve de legenda para os instrumentos expostos (Foto JCarlos)

No mesmo corredor, algo menos lúdico. Expostos em uma redoma de vidro, instrumentos que eram usados para prender e torturar escravizados que trabalhavam nas fazenda de café itabiranas. Acima, um poema drummoniano que resume o assunto: “Agritortura – Amanhã serão graças de museu. / Hoje são instrumentos de lavoura, / base veludosa do Império: / “anjinho”, / gargalheira, / vira-mundo. // Cana, café, boi / emergem ovantes dos suplícios. / O ferro modela espigas / maiores. / Brota das lágrimas eo gritos / o abençoado feijão / da mesa baronal comendadora.”

Memorial

Por sugestão da recepcionista do Museu de Itabira, subimos até o Pico do Amor, onde está localizado o Memorial Carlos Drumond, no inteior do Parque Natural Municipal Mata do Intelecto. O prédio, concebido pelo arquiteto Oscar Niemeyer (Cá prá nós. Ele estava com preguiça no dia que desenhou o projeto) reúne livros, fotos, objetos e muita informação sobre o poeta, além de abrigar exposições temporárias com temáticas afins ao universo drummoniano.

É um lugar para se visitar com vagar, pois são muitas coisas interessantes que merecem uma viagem particular para cada peça, cada objeto, cada texto. Lá também tem o telefone para falar com o CDA.

No sentido horário: Cruzeiro no Pico do Amor; vista de Itabira e Memorial Carlos Drummond de Andrade (Fotos JCarlos e Marcela Ximenes)

Gosto muito desta foto de 1972. Ainda não sei quem é o autor (Reprodução JCarlos)

Admirando esta escultura no Memorial CDA, lembrei de versos de Ausência: “Por muito tempo achei que a ausência é falta. / E lastimava, ignorante, a falta. / Hoje não a lastimo. / Não há falta na ausência. / A ausência é um estar em mim. (..)”

O Memorial guarda o CDA em vários suportes: mamulengo, em pedra e bronze (Fotos JCarlos)

É a pergunta que faço a mim mesmo todos os dias (Foto JCarlos)

Uma linha do tempo com livros, fatos e fotos de CDA (Foto JCarlos)

Ela não resistiu e atendeu ao telefone de novo… (Foto JCarlos)

Ironia. Uma observação que fiz ainda no local: A construção do Memorial do Drummond foi patrocinado pela Vale do Rio Doce, que é responsável pela destruicão de Itabira. Foi “ele” quem disse: “O Rio? É doce. / A Vale? Amarga. / Ai, antes fosse / Mais leve a carga. (…)”, em Lira Itabirana (Foto JCarlos)

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Carlos Drummond de Andrade Itabira Juçieta Drummond de Andrade Marcela Ximenes 

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