Há lugares em que você entra e se contém em reverência; em outros, o comportamento é de contentamento, de descoberta. Há também aqueles em que só há a contemplação, sem envolvimento emocional. Fomos a três lugares que reunem as três coisas em cada um deles.
No caminho entre Contagem e Teófilo Otoni, passamos por Itabira, para conhecer a cidade em que nasceu o poeta e cronista Carlos Drummond de Andrade. A visita não estava programada e a ideia surgiu quando a Marcela viu uma placa rodoviária informando quantos quilômetros faltavam para chegar lá. Não pensamos duas vezes antes de desviar a rota.
Apesar do nome e da intenção, o local abriga, na verdade, livros, desenhos infantis, documentos e fotos da filha de Carlos Drummond de Andrade, a escritora Maria Julieta Drummond de Andrade (+1928*1987). O foco da exposição é ela, mas isso não é avisado à entrada do recinto.
No entanto, em algumas salas da casa-museu, uma espetacular coleção de quadros de autoria da artista plástica mineira Yara Tupynambá, inspirada na homenagem póstuma “A mesa”, onde CDA descreve a festa que gostaria de ter feito para o pai dele, Carlos de Paula Andrade. São 340 versos em uma única estrofe, transpostos para 19 painéis. Foram retratadas pessoas vivas à época da pintura, como o próprio Carlos Drummond, e amigos do homenageado mortos há muito tempo.
“É o Drummond!”
Atravessamos a rua Major Lage e entramos nbo Museu de Itabira, que é mantido pela Prefeitura. Visitávamos as exposições contando história da cidade, em seus vários ciclos econômicos, onde a mineração do minério de ferro é o elo entre todas alas, quando vi sobre um console no corredor um telefone antigo, com a placa: “Quando o telefone tocar, por gentileza, atenda!”. O aparelho tocou e ouvi a voz suave do poeta, falando comigo de muito além. Carlos Drummond recitava para mim um de seus poemas (que não me lembro qual foi).
Esperei ele terminar de ler e falei para a Marcela que vinha em minha direção: – É o Drummond! Ela pensou que fosse uma graça minha, mas pegou o aparelho e levou ao ouvido. Em poucos segundo minha esposa estava encostada à parede, debulhada em lágrimas. Ela contou como foi na conta pessoal do Instagram: “(…) Peguei o telefone, ouvi aquela voz mansa inconfundível e, pronto, me entreguei. Cada verso de “Caso do Vestido” eu senti com o coração, sensação aumentada pelas vivências. Passei o dia todo envolvida naquela emoção que vou guardar para sempre.”
No mesmo corredor, algo menos lúdico. Expostos em uma redoma de vidro, instrumentos que eram usados para prender e torturar escravizados que trabalhavam nas fazenda de café itabiranas. Acima, um poema drummoniano que resume o assunto: “Agritortura – Amanhã serão graças de museu. / Hoje são instrumentos de lavoura, / base veludosa do Império: / “anjinho”, / gargalheira, / vira-mundo. // Cana, café, boi / emergem ovantes dos suplícios. / O ferro modela espigas / maiores. / Brota das lágrimas eo gritos / o abençoado feijão / da mesa baronal comendadora.”
Memorial
Por sugestão da recepcionista do Museu de Itabira, subimos até o Pico do Amor, onde está localizado o Memorial Carlos Drumond, no inteior do Parque Natural Municipal Mata do Intelecto. O prédio, concebido pelo arquiteto Oscar Niemeyer (Cá prá nós. Ele estava com preguiça no dia que desenhou o projeto) reúne livros, fotos, objetos e muita informação sobre o poeta, além de abrigar exposições temporárias com temáticas afins ao universo drummoniano.
É um lugar para se visitar com vagar, pois são muitas coisas interessantes que merecem uma viagem particular para cada peça, cada objeto, cada texto. Lá também tem o telefone para falar com o CDA.