Do final do século 15 em diante, o mundo conhecido se expandiu. Europa, Ásia e o norte da África representavam a zona de conforto da civilização da época até que portugueses (1415) e espanhóis (1492) resolveram enfrentar os monstros que habitavam o mar-oceano para buscar, direto do fornecedor, as especiarias necessárias à conservação de alimentos, já que os otomanos passaram a trabalhar como “atravessadores”. Com o aperfeiçoamento do mercantilismo, os navegadores foram em busca das fontes das especiarias, e aproveitando o frete, procuravam metais preciosos e aprisionavam quem encontravam para escravizar.
O livro que li agora – Cronistas do descobrimento (Editora Ática, São Paulo, 2012) -, comprado em um sebo, mostra a visão de vários europeus a respeito do Brasil recém-descoberto e ainda totalmente desconhecido. Os organizadores, Antônio Carlos Oliveira e Marco Antônio Villa (aquele da rádio e tevê) reuniram cartas, relatos, diários de bordo, tratados e poemas para ilustrar o fascínio, encantamento e exotismo daquele novo mundo, cheio de gente de diferentes costumes e hábitos, árvores gigantescas e animais/insetos vorazes.
O tema “Brasil” representava certeza de sucesso de público e crítica para os escritores que foram beneficiados por uma novidade: a máquina de imprimir inventada pelo alemão Johannes Gutenberg em 1439, que representou a possibilidade de universalização do conhecimento contido em livros.
São doze autores que escreveram sobre o Brasil com diferentes intenções, desde Pero Vaz de Caminha que enviou ao rei D. Manoel I um relato dos achados pela frota de Pedro Álvares Cabral, até uma carta do padre José de Anchieta ao superior de dele na Companhia de Jesus, o Padre Geral Diego Laynes, em Roma, falando sobre as dificuldades do trabalho de catequisar os indígenas, bem como relatando o comportamento de alguns portugueses, que se amancebavam com as nativas. Há também tratados com explicações sobre a flora brasilis, em que o autor, o padre jesuíta Fernão Cardim, descreve as plantas e a utilização delas como remédio, alimentos ou para confecção de habitações.
Destaco um trecho da carta de Anchieta ao Padre Geral, em que ele relata o apoio dos padre às parturientes e o costume do aborto entre as indígenas, eufemisticamente chamado por Anchieta de “mover“: “(…) Muitas vezes nos levantamos do sono, ora para os enfermos e os que morrem, ora para as mulheres de parto, sobre as quais pomos as relíquias dos Santos*, e parem, e o que elas não ignoram, começando a sentir as dores logo as mandam pedir, havendo-se primeiro confessado. Entre estas cousas acontece que se batizam e mandam ao Céu alguns meninos que nascem meio mortos, e outros movidos, o que acontece muitas vezes mais por humana malícia que por desastre”.
E Anchieta cita os motivos para os abortos: “[por estarem] iradas contra seus maridos, ou os não tem por medo; ou por outra qualquer ocasião mui leviana matam os filhos; ou bebendo para isso algumas beberagens; ou apertando a barriga ou tomando alguma carga grande e com outras muitas maneiras que a crueldade deshumana inventa (…).”
Os povos naturais são descritos de diversas maneiras, ressaltando sempre, como se era de esperar nesse choque de cultura – o exótico e o fantástico.
O livro, que já foi muito usado em exames de vestibular, pode ser facilmente encontrado na internet em formato PDF e é uma leitura agradável e instutiva, para quem, como eu, gosta do assunto (ainda tenho uns dois ou três livros nesse tema para ler).
[*N.O. A superstição de colocar medalhas e imagens religiosas na barriga das parturientes para auxiliá-las no trabalho de parto conserva-se hoje no interior de vários estados brasileiros]