15 de outubro de 2023

“De uma ponta a outra” resgata a história da Estrada de Ferro Bahia e Minas – A resenha de hoje

Por José Carlos Sá

O fio condutor do documentário “De uma ponta a outra“, do jornalista e escritor baiano Athylla Borborema, é “Ponta de Areia” uma música de Milton Nascimento, com letra de Fernando Brant, que fez sucesso – principalmente – nas vozes de Elis Regina, Nana Caymmi e do próprio Milton Nascimento, e que conta a história do que restou após a extinção da Estrada de Ferro Bahia e Minas, em 1966. O narrador percorre os 578 quilômetros entre o Marco Zero da ferrovia, no distrito de Ponta de Areia, município de Caravelas, no extremo sul da Bahia, à cidade de Araçuaí, no nordeste mineiro. O documentário é uma ‘longuíssima’ metragem, com 3h43, e mostra o vazio da vida dos descendentes de quem vivia em função da ferrovia.

Já contei aqui diversas vezes que sou um desses órfãos da “Baíminas”. O avô Benedito, seu Zé Carlos e dona Nilta (meus pais) e tia Nívia trabalharam na ferrovia em Teófilo Otoni (MG), onde meus irmãos e eu nascemos. Pai, mãe e tia tiveram de optar para onde queriam ser transferidos, quando a extinção de várias ferrovias brasileiras foi decidida em Brasília (meu avô já tinha se aposentado), e lá fomos para Belo Horizonte. Éramos os “baianos”. A Bahia e Minas foi incluída em uma relação de ferrovias deficitárias – junto com a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (RO) – e deixaram de existir juntas, no mesmo decreto que foi assinado pelo então presidente general Castelo Branco, em 1966.

Locomotiva a vapor da Estrada de Ferro Bahia e Minas (Foto sem data e autor conhecidos)

Ainda em Teófilo Otoni, ouvia meus pais conversando sobre o trabalho deles. Pai, que trabalhou um tempo levando o pagamento dos ferroviários que trabalhavam ao longo da via férrea (turmas) e dos agentes de estação, falava os nomes dos lugares que eu achava engraçados e ficaram na minha imaginação, como Poté, Valão, Queixada, Ladainha, Charqueada, Sucanga, Caporanga e “Perversiani” (agora sei que o nome é ‘Pedro Versiani’).

Na coluna da esquerda, estações de Serra dos Aimorés (MG) e Helvécia, Nova Viçosa (BA). Centro e direita, a Estação de Teófilo Otoni, antes de ontem e hoje (Fotos 1, 2, 4 e 5 – Fotogramas documentário; 3 – arquivo, sem autor conhecido)

O documentário mostra as antigas paradas do trem, as caixas d’água que abasteciam as locomotivas a vapor, os pontilhões de ferro construídos na Inglaterra e trazidos de navios até o porto de Caravelas, em Ponta de Areia, e as cidades que cresceram em torno do movimento das estações e que mirraram após o desaparecimento da estrada de ferro. Como escrevi no começo do texto, há várias referências à música de Fernando Brant e Milton Nascimento citada pelos depoentes. O diretor/narrador do filme, Athylla Borborema, ainda aponta o “erro geográfico” existente na canção. Ponta de Areia não é o “ponto final da Bahia Minas”, mas o quilômetro zero, de onde os  trilhos começaram a ser instalados rumo ao sertão do nordeste mineiro.

Os depoimentos colhidos são de lamentações e lembranças do que foi. Esperança de mudança no futuro não vi nenhuma.

Ao assistir o documentário, indicado por meu irmão Paulo Roberto, descobri que não sei nada, absolutamente nada, sobre a ferrovia. Sinto saudades do que não conheci.