10 de julho de 2023

Em conflito com a lei e, quiçá, com a ordem!

Por José Carlos Sá

Voltei da academia e depois da recepção efusiva da cachorrada daqui de casa, sentei na poltrona para tirar os tênis, meias e esvaziar a sacola, separando o que era para lavar e o que era para guardar. Também retirei o aparelho de audição, desliguei e coloquei no montinho a ser guardado. Fui beber água e etc. e vi a Aurora distraída roendo alguma coisa. Pensei: “Não quero pensar que seja aquilo que estou pensando”. Me aproximei dela, e era. O pensamento tem força!

No dia seguinte, liguei para a empresa que forneceu o aparelho pedindo orientação sobre o que devia ser feito. Disseram para levar à assistência técnica e, de qualquer maneira, registrar um boletim de ocorrência na delegacia virtual, pois o dispositivo foi fornecido pelo SUS e teria que ser dado baixa se estivesse irremediavelmente imprestável.

Quando contei para a Marcela que fiz isso tudo, ela começou a rir. Eu não entendi, pois havia ficado sem o aparelho de audição. A explicação: “Você denunciou a Rorinha à polícia, coitadinha…”

 

A indigitada em ação (Foto Marcela Ximenes)

A Rorinha a que a Marcela se refere é a Aurora Ayira-Mbya, cachorrinha que está sempre ligada em alta voltagem, adotada há quase um ano. Ela morava na Terra Indígena do Morro dos Cavalos, daí o sobrenome dela. Ayira significa “sem dono, independente” e Mbya, um ramo do povo Guarani.

Ficamos imaginando se a ficha pregressa (criminal) dela fosse acessada na delegacia, quais seriam os delitos que lhe seriam imputados? De memória, lembrei alguns:

  1. Destruição total de um aparelho auditivo;
  2. Destruição parcial de um par de sandálias havaianas;
  3. Destruição parcial de um cinto de couro masculino;
  4. Destruição parcial de um guardanapo de pano;
  5. Destruição total de um par de óculos de grau;
  6. Destruição total de um canteiro de espadas de São Jorge;
  7. Destruição parcial de plantas variadas no jardim;
  8. Destruição parcial de vários móveis de madeira;
  9. Destruição parcial de mantas de inverno destinadas a ela e às outras ‘irmãs’;
  10. Destruição total de brinquedos diversos e de caminhas.

Há contra a acusada, ainda, a suspeita pela responsabilidade no sumiço de um pé de meia de nylon. Como o “corpo” nao foi encontrado, não há crime. In dubio pro reo.

Também estariam registrados casos de ‘galicídios’ atribuídos a ela na aldeia Guarani. Rorinha é acusada de ter matado algumas galinhas de famílias indígenas. A alegação é de que os crimes foram cometidos por motivo famélico, mas a tese da defesa não foi aceita. Foi então decretada a fatwa, pena de morte contra cadelinha, por isso ela está exilada aqui em casa sem possibilidade de extradição.

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Aurora Aiyra M'Bya B. O. Marcela Ximenes Terra Indígena do Morro dos Cavalos 

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