02 de julho de 2023

O bananal, a necessidade e as cobras

Por José Carlos Sá

Há coisas que nos contam e das quais nos lembramos nas horas erradas. Meu pai uma vez nos disse que as cobras gostam de se esconder nas toceiras de bananeiras. Eu me recordei dessa advertência quando precisei usar o abrigo oferecido por uma plantação de bananeiras para atender a um chamado da natureza.

Foi assim.

No início da década de 1990 acompanhei a missão de uma equipe da Defesa Civil de Porto Velho e de militares da Casa Civil do Governo de Rondônia que foi verificar a situação das comunidades ribeirinhas numa das cheias anuais do rio Madeira.

À noite pousamos em uma casa no distrito de Calama (a 300 quilômetros da sede), onde a anfitriã fez uma caldeirada caprichada, que comemos até passar mal. Acompanhava uma cachaça chamada Oncinha. Na manhã seguinte perdi a hora e só esperaram que eu escovasse os dentes, desarmasse a rede e embarcasse na voadeira para partirmos.

O retorno foi lento, pois navegávamos contra a correnteza da enchente. O meu intestino, que funciona regularmente e em horários pré-combinados, começou a dar sinais me lembrando que eu estava atrasado para os compromissos adrede assumidos.

Paramos para tomarmos café. Eu já não aguentava mais. Suava frio, a visão estava turva e as cólicas intestinais eram cada vez mais frequentes. Fui procurar um lugar para me aliviar (no local não havia sanitário). Ao me afastar do grupo, umas três crianças resolveram me acompanhar. Onde eu ia, elas iam atrás. E eu já quase não conseguia caminhar. Estava como um vulcão em que a erupção era iminente.

Um dos colegas (abençoado seja até o fim dos seus dias!) chamou as crianças para distribuir balas, e eu pude, finalmente, encontrar um lugar reservado.

Enquanto sentia o alívio, me deslumbrava com a vista: de onde eu estava via as águas barrentas do rio Madeira correndo a poucos metros e enxergava a margem oposta lá longe. Uma vista instagramável, como se diz hoje em dia. De repente saí do meu devaneio. Eu estava abrigado em um bananal e as palavras do meu pai vieram claras à minha mente, como se ele estivesse ali na moita ao meu lado: “Cobras gostam de se esconder nas toceiras de bananeiras!” Acabou o meu idílio. Apressei para terminar o que estava fazendo, e saí dali com mais pressa do que tinha chegado.

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Calama Corpo de Bombeiros Defesa Civil José Carlos de Sá Porto Velho Rondônia 

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