02 de maio de 2023

Singradura – A resenha de hoje

Por José Carlos Sá

Capa da edição comemorativa dos 50 anos de lançamento do livro (Reprodução)

Fui ao lançamento deste livro por duas razões: há muito queria participar do evento Livro na Praça, que é promovido pela editora da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) na igrejinha histórica. A segunda razão foi a curiosidade. Era o lançamento de uma reimpressão comemorando os 50 anos da primeira edição da obra e o autor é jornalista.

Singradura (Editora da UFSC, Florianópolis, 2020) é a coletânea de vinte contos escritos pelo jornalista Flávio José Cardozo, autor de outros quinze livros, em sua maioria de crônicas publicadas nos jornais em que trabalhou em Florianópolis. Flávio Cardozo também trabalhou na Editora Globo, em Porto Alegre, onde foi responsável pela tradução do primeiro livro do escritor argentino Jorge Luis Borges para o português (Aleph, 1972) e ocupa a cadeira 23 da Academia Catarinense. Singradura é, segundo o Dicionário Houaiss, “seguir caminho nas águas”, o ato comumente conhecido como navegar.

A apresentação do autor foi feita pelo professor Flávio Lopes, que também escreveu o prefácio do livro (Foto JCarlos)

O professor Fábio Lopes da Silva, do Departamento de Lingua e Literatura Vernáculas da UFSC, autor do prefácio, fez as apresentações no dia do evento e por serem velhos conhecidos, falou de particularidades da vida de Flávio Cardozo que influenciaram seus escritos, como por exemplo, ter visto o mar aos 12 anos, mesmo tendo nascido a menos de 90 quilômetros do litoral. Ele é natural da cidade de Lauro Müller, na região carbonífera de Santa Catarina e ao pé da Serra do Rio do Rastro. “Para quem nasceu na minha época (1938) em Lauro Müller a nossa vida eram as minas de carvão e a da janela víamos o paredão da serra. Eu pensava: o que tinha lá em cima, sempre escondido pelas nuvens?”. Segundo ele o sonho dos lauro-milenses era se aposentar e ir morar no alto da serra.

Flávio Cardozo viu o mar pela primeira vez aos 12 anos, antes só conhecia a visão da Serra do Rio do Rastro (Foto JCarlos)

Os contos falam sobre pessoas comuns, morando nos morros pobres, em vilas de pescadores, no porto ou nas comunidades rurais distantes do centro da Ilha de Santa Catarina nos anos da década de 1960, quando os turistas ainda não a haviam descoberto. São pescadores, lavadeiras, vendedores de louça, uma prostituta que não cobrava em dinheiro pelo serviço, um pistoleiro e outros personagens pitorescos. Com textos leves, o autor nos leva a finais inesperados que até lembram a literatura fantástica, com pitadas surreais e do sobrenatural.

O autor, Flávio Cardozo, recebe os cumprimentos do colega jornalista PC Schmitz, com quem trabalhou na imprensa catarinense (Foto JCarlos)

Destaco o conto “Terça-feira de cinzas”, em que o presidente de escola de samba que precisava urgentemente – véspera de carnaval – de uma costureira para confeccionar os trajes do rei, rainha, ministro e príncipe. A única opção para o serviço era uma beata, que recusou o serviço por convicção religiosa. No desespero o dirigente ofereceu à costureira para que ela própria desfilasse fantasiada de rainha. Após uma forte resistência – e se lembrando dos pais que gostavam de festa – a devota aceitou a troca. No dia do desfile tudo ia muito bem até que o cortejo chegou à Igreja Matriz (os desfiles, em Florianópolis, eram realizados em torno da Praça XV de Novembro) e o encanto quebrou.

É um livro altamente envolvente e de leitura prazerosa.