Acompanhei ao vivo, graças às maravilhas da internet, a entrega do Prêmio Camões 2019 ao Chico Buarque, direto do Palácio de Queluz – local onde nasceu e morreu D. Pedro I, imperador do Brasil, fato destacado no discurso do presidente de Portugal Marcelo Rebelo de Sousa. A premiação é destinada a escritores da lingua portuguesa, alternando portugueses, brasileiros e cidadãos de países africanos.
Além do local escolhido para a entrega do diploma, outro fato também é simbólico. A premiação foi na véspera de um evento histórico de Portugal: A revolução dos Cravos. Em um dia como hoje, 25 de abril, há 49 anos era derrubada uma ditadura, na época encabeçada por Marcelo Caetano, continuador da “obra” de António de Oliveira Salazar, de inspiração fascista. A festa durou pouco, pois em 1975 houve outro golpe e a direção do país ficou nas mãos de uma junta formada por três generais. Isso é uma outra história.
Fiquei conhecendo o Chico Buarque através do sucesso da música A Banda, que era cantada pela Nara Leão. Depois eu o vi nos festivais da década de 1960, com a admiração crescendo à medida que ele lançava novas músicas. Do lado dramaturgo, eu li os textos das peças teatrais Roda Viva, Gota d’Água, Calabar e Ópera do Malando, apesar de não ter assitido a nenhuma delas. Comprei os livros e os discos das trilhas sonoras.
Não sou fã do Chico escritor, com exceção da adaptação da obra A revolução dos bichos, de George Orwell, chamada A fazenda modelo. Não consegui passar das primeiras páginas de Estorvo, e olha que eu não sou de desistir de um livro cuja leitura inicio. Os outros romances eu nem tentei ler. No entanto, o Prêmio Camões é justamente o reconhecimento da qualidade do escritor. No discurso de agradecimento o homenageado disse: ” Mas por mais que eu leia e fale de literatura, por mais que eu publique romances e contos, por mais que eu receba prêmios literários, faço gosto em ser reconhecido no Brasil como compositor popular e, em Portugal, como o gajo que um dia pediu que lhe mandassem um cravo e um cheirinho de alecrim”.
* O título é o primeiro verso da música “Tanto mar”, em que Chico saúda Revolução dos Cravos. A música foi composta em 1975, no calor da hora, e foi censurada pelo governo militar do Brasil, que era aliado do presidente deposto de Portugal. A versão de que utilizei o verso atualizado, foi gravada em 1978, juntamente com Cálice e Apesar de você, dois hinos usados contra a ditadura. A diferença entre as duas versões é o tempo da ação: “Sei que está em festa, pá” (letra original censurada) e “Foi bonita a festa, pá”, já em 1978, quando os cravos haviam murchado.