Comecei a ler este livro no dia 2 de janeiro, uma segunda-feira. No domingo, dia 8, assisti – boquiaberto – aos atos de vandalismo que eram praticados na Praça dos Três Poderes, em Brasília. Era uma turba dando vazão às frustações por terem visto o líder e inspirador deles perder a eleição e fugir para o exterior, quando esperavam uma palavra de ordem. A palavra não veio e descontaram em quem eles creditavam o fracasso: as instituições democráticas. Por um momento eu pensei que o que eu estava presenciando uma repetição de fatos ocorridos na virada do século 19 para o século 20, quando se pegavam em armas a favor e contra a República, mesmo não sabendo o que era mesmo aquele sistema de governo.
O livro As Revoluções da República – 1889 – 1932 (edição do autor, São Gabriel – RS, 1995) foi indicado pelo ex-colega de IBGE Jadir Anchieta, gaúcho como o autor da obra, o historiador Osório Santana Figueiredo, que foi acadêmico, escritor e pesquisador, tendo deixado trinta e duas obras, a maioria sobre biografias de gaúchos ilustres e a participação de pessoas nascidas em São Gabriel, a terra natal dele, em eventos históricos nacionais, como as revoluções que se sucederam no Brasil durante a chamada Primeira República.
O livro enumera dezesseis manifestações armadas contra o poder constituído, desde a Revolta do Sargento Silvino, em 1892, até a Revolução Constitucionalista de 1932. Entre os dois extremos temos – fora de ordem cronológica – a Coluna Prestes, a Campanha do Contestado, a Revolta da Chibata, revoluções no Mato Grosso, a Revolta Paulista de 1924, a “guerra” de Canudos, a Revolta dos Tenentes, que culminou no episódio dos 18 do Forte, a Revolta da Vacina e a Revolução do Acre, entre outras.

Eu acho essa foto extremamente emblemática. Militares gaúchos amarram seus cavalos no Obelisco no centro do Rio de Janeiro, então capital do país (Reprodução)
O autor abusa dos adjetivos superlativos e oscila na defesa da Monarquia e na exaltação da República. Elogia muito imperador deposto D. Pedro II, ao mesmo tempo que justifica os atos sanguinários do marechal Floriano Peixoto, que durante o mandato dele (1891-1894) “pacificou” o país à bala e também na ponta da baioneta e na mira dos canhões. Ex-militar, Osório Santana Figueiredo afirma: “Infelizmente, o que lamentamos e nos constrange registrar, é que o Brasil só tem andado a passos largos no progresso quando tocado por governos fortes, como foram Prudente de Moraes, Campos Salles, Rodrigues Alves, Getúlio Vargas e Castelo Branco.” Todos governaram em regime de exceção.
Nas diversas revoltas descritas na obra, o autor sempre buscou destacar a participação de personagens gaúchos ou que nasceram na cidade de São Gabriel, que fica localizada no sul do estado, próximo à fronteira do Uruguai e da Argentina. E o autor não teve dificuldades. A Revolução do Acre é um exemplo. Plácido de Castro, autodenominado coronel, e que liderou o movimento para criar a “República do Acre”, nasceu em São Gabriel, assim como Joaquim Francisco de Assis Brasil, um dos representantes do Brasil no Tratado de Petrópolis – em que o Brasil adquire o Acre – também era gabrielense.
Sangue, muito sangue
As revoltas e revoluções narradas no livro têm sangue jorrando em excesso. Vou narrar penas dois episódios que ilustram bem como a coisa era resolvida naquela época.
Na Revolta do Sargento Silvino, 162 presos na Fortaleza de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, renderam a guarnição e exigiram que o então presidente Floriano Peixoto, devolvesse a presidência ao marechal Deodoro da Fonseca e que aquele se tornasse um ditador. A rebelião foi dominada e o próprio Floriano sentenciou o sargento rebelde: “Fuzilem-no sem formalidades”. Até na hora de morrer, o sargento Silvino Honório de Macedo se rebelou. Quiz, ele mesmo, comandar a própria execução. O tenente Manoel Belofonte, encarregado do fuzilamento, se indignou: “Um revoltoso, um bandido, não pode dar ordens aos soldados”. O réu, porém, deu uma voz de comando vigorosa: “No coração, fogo!” E os soldados atiraram, mas o condenado não morreu na primeira carga de tiros e o tenente Belofonte se encarregou de dar, com raiva, o tiro de misericórdia.
Osório Santana também comenta o costume da degola de prisioneiros, prática que se tornou comum tanto da parte de rebeldes quanto nas tropas governamentais. Segundo o autor, a prática da degola chegou às Américas pelas lâminas, digo, mãos do argentino Juan Manuel de Rosas, que depois do combate do Arroio Grande mandou executar 1.500 prisioneiros, cortando-lhes a cabeça. Como tudo que é ruim o Brasil copia, a moda de degolar os inimigos foi usada a partir da Revolução de 1893, no Rio Grande do Sul.
Na Guerra do Paraguai a degola foi uma prática comum, mas o fato não é citado no livro.
Nomes incomuns
Aqui, por curiosidade, transcrevo, por ordem de aparição, os nomes incomuns hoje de combatentes, escritores e vítimas dos 43 anos de matanças narradas no livro:
Gumercindo, Setembrino, Tertuliano, Guerreiro Vitória (esse é um general predestinado, como diria o Zé Simão), Clarestino, Hermenegildo, Laurentino, Dioclécio, Ernestina, Fermino, Quincas, Porfírio, Sezefredo, Utálio, Ubaldino, Firmino, Dinarte, Floro, Leovelgido, Tertoliano, Leôncio, Oldemar, Delso, Flodoardo, Clarestino, Noêmio, Democratino, Telésforo, Arcelino, Abrilino, Francelin, Coriolano, Nicanor, Aldrovando e Alcibíades.
Também havia militares que se chamavam Zalmiro, Pulciano, Ilha, Adierbal, Anaurelino, Zubaran, Orphilino, Hermenegildo, Adel, Grimualdo, Fidêncio, Emigdio, Virgulino (Lampião), Oldemar, Corálio, Favorino, Acauan, Trifino, Glicério, Ero, Possidônio, Felizaldino, Papias, Ascyndino, Guaiba, Collatino, Brasilio, Alamir, Reduzino, Arquimino, Ortílio, Ervandil, Izaltino, Soveral, Florentino, Lário, Anaurélio e Ortílio.
E mais Oriovaldo, Oriones, Angelino, Dadedoque, Gerôncio, Aldemo, Ordones, Dorval, Uaraci, Gomercindo, Walzumiro, Tibúrcio, Laudelino, Nicanor, Taurino, Dorvil, Inérito, Blau, Merenciano, Coriolano e Otoríbio.
Preenchendo lacunas
A obra do Osório Santana vale como registro de fatos que foram apenas citados nos rodapés dos livros de História. Há muitos bastidores de como se deram as refregas entre tropas rebeldes e governistas, destacando atos de bravura de ambos os lados combatentes cujos nomes não constam ao lado dos generais e políticos que começaram as guerras. Senti a falta de revisão, pois no mesmo parágrafo o nome do sanitarista Oswaldo Cruz está grafado com “v” e com “w”.
Vale a leitura pela curiosidade de se conhecer mais a falta de motivos para tantas revoluções. Algumas delas – como a Coluna Prestes – se extinguiu por falta de causa para lutar.