Seja pequena ou grande, a alma de uma cidade pode ser conhecida no mercado público local. Quando visitamos Santa Catarina pela primeira vez, foi-nos recomendado que não deixássemos de visitar o Mercado Público de Florianópolis e, nele, passar pelo Box 32. Dez anos depois daquela primeira visita e tendo ido diversas vezes ao Mercado para comprar alguma coisa, comer ou simplesmente passear, tenho a oportunidade de ler o livro Histórias do Mercado, do jornalista Paulo Clóvis (PC) Schimitz, ilustrados com fotos do Danísio Silva e desenhos de Domingos Fossari.
Já sou fã do PC. Desde que tive contato com seus textos, leio todas as reportagens que ele escreve habitualmente para o jornal ND, a maioria sobre fatos históricos ou pouco conhecidos do passado de Santa Catarina e de Florianópolis.
E é claro, no livro há causos pitorescos, como a história do homem que levou uma vaca viva pelo corredor do Mercado para oferecer ao administrador. A outra história – dizem que é lenda – é a de dois amigos que queriam fazer um caldo com a cabeça de uma garoupa. Sem ter dinheiro para comprar o peixe, os dois foram ao Mercado Público e se dirigiram, separadamente, a uma peixaria. O primeiro perguntou o preço de uma garoupa de 12 quilos e pediu para “tratarem” o peixe, mas que não queria a cabeça. Ao lado, escutando a conversa, o outro homem perguntou se podia ficar com a cabeça do peixe e foi atendido na hora. O suposto comprador disse que iria beber uma cerveja no bar no mesmo corredor e voltaria depois para pegar a garoupa preparada e pagar a compra. Até hoje o peixeiro espera para entregar a garoupa limpa e para receber o dinheiro…
O livro reúne depoimentos de 30 pessoas, que trabalharam ou frequentaram o Mercado Público de Florianópolis por muitos anos e contam a evolução não só do estabelecimento público, como da cidade e a chegada dos supermercados que esvaziaram o lugar e a descoberta dos turistas que “ressignificaram” o tradicional ponto de encontro florianopolitano, desde que a cidade se chamava Nossa Senhora do Desterro.
As personagens do livro contam como era a vida na Ilha de Santa Catrina, sem transporte, com as estradas bem precárias, quando as distâncias eram vencidas a pé ou em carroças para levar a produção das roças para vender no Mercado. Os ilhéus que trabalhavam com peixes e camarões ainda tinham que enfrentar os ventos – “súli” e nordeste – e o mar agitado para irem ou retornarem do centro da cidade, depois de venderem seus produtos e comprarem artigos que não podiam produzir, como querosene para a iluminação ou a farinha de trigo e o sal.
O mercado era e é um mundo a parte, com seus costumes, frequentadores habituais e uma saudável (?) competição entre os comerciantes que disputam os compradores. Hoje essa competição é mais visível entre os restaurantes que ocupam o vão central do prédio, mas ainda existe uma rixa amigável entre as peixarias e boxes que comercializam produtos semelhantes.
Li a segunda edição do “História do Mercado”, que foi contemplada com incentivos da Fundação Cultural de Florianópolis Franklin Cascaes (Florianópolis, 2013). É uma ampliação da primeira impressão publicada em 2007 e que foi atualizada, ilustrada e encadernada com capa dura. Há também uma versão impressa comum, com fotos antigas, e que está à venda nas boas livrarias.