29 de setembro de 2022

Decifrando garranchos

Por José Carlos Sá

Olhando para o passado e vendo como votávamos, lembrei de uma situação que vivi. Naquela eleição eu estava fazendo fiscalização das apurações para um partido, mas com a intenção de colher material para as crônicas que eu escrevia e publicava nos jornais de Porto Velho, O Guaporé, Alto Madeira e Estadão do Norte.

As juntas apuradoras eram instaladas na quadra do ginásio Cláudio Coutinho e as mesas escrutinadores recebiam as urnas de lona, conferiam o número de cédulas com o total de votantes e começavam a contagem. dos votos Havia um mesário que lia os votos em voz alta e os outros anotavam para cada cargo, todos sob a coordenação do presidente da junta, sendo vigiados pelos fiscais e delegados dos partidos e das coligações, representantes dos candidatos travestidos de fiscais ou os próprios candidatos,  além dos ‘infiltrados’, como era o meu caso.

Também havia muita gente que passava o dia nas arquibancadas assistindo aquilo!

Exemplos de caligrafias ilegíveis (Reprodução internet)

Uma das maiores dificuldades das apurações naquela época era decifrar a caligrafia dos eleitores. Em nosso país, que é formado por muitos semi-analfabetos e analfabetos funcionais, se comunicar por escrito é uma tarefa dificil ainda para alguns. Havia muita discussão quando não conseguiam entender a letra do votante e o jeito era adotar o que os juizes eleitorais chamavam de Suffragator intentio ou intenção do eleitor.

A legislação permitia, então, que o candidato registrasse as variações do próprio nome e apelido. Se eu fosse candidato, por exemplo, poderia registrar: José Carlos de Sá Junior, José Carlos Sá, JCarlos, Sá, Sá Junior, Seu Sávio, Seu Sales e Neném (para não perder os votos dos familiares). Os escrutinadores tinham em mãos listas com essas variações e as consultava nos casos em que a caligrafia dos eleitores deixavam dúvidas para quem estavam votando.

Por causa de um voto que seria perdido, pois ninguém conseguia decifrar os garranchos que foram escritos na cédula, a então deputada federal Raquel Cândido* armou o maior barraco dizendo que o eleitor queria votar nela.

Mas nem com toda a boa vontade do mundo era possível apoiar essa dedução. O juiz impugnou o voto e a parlamentar fez novo escarcéu. A Polícia Militar foi chamada para colocar ordem na casa e ameaçou esvaziar o recinto, a deputada se acalmou. Mas perdeu o voto “dela”.

E ainda querem voltar para aquele tempo de trevas!

-=-=-

*Raquel Cândido – Se notabilizou em Porto Velho por liderar invasões de terras urbanas, que se transformaram depois em bairros. Foi vereadora (1983-1987) e deputada federal (1987-1991 e 1991-1994), tendo o mandato cassado em 1994.

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