Eu admiro muito Milton Gonçalves, que nos deixou ontem (30/5). Fica na minha memória três momentos dele, dois como ator e um como cidadão.
Como ator nos papéis de Madame Satã, no filme A Rainha Diaba e como Zelão das Asas, em Saramandaia (1976). Aliás, aquela foi a última novela que acompanhei, pois estava no serviço militar e não tinha muita opção do que fazer à noite no quartel.

Paulinho da Viola, Milton Gonçalves e Martinho da Vila em um dos palanques do movimento pelas Diretas Já (Foto Rogério Régis/Veja)
Na campanha das Diretas Já, Milton Gonçalves, junto com outros artistas, teve a coragem de se posicionar publicamente e defender o retorno pleno da Democracia. O Movimento das Diretas – apesar de ter se alastrado em todo país – demorou a ser reconhecido por alguns conglomerados de comunicação, especialmente pela Rede Globo onde Milton trabalhou desde 1965.
O filme A Rainha Diaba tem um componente especial para mim. Eu ouvia meu pai e outras pessoas falarem em Madame Satã, em quem o filme foi baseado.
Era um transformista (referiam-se a ele com outro nome) negro que botava a polícia da Guanabara para correr com golpes de capoeira e sabia usar a navalha, que ficava escondida na manga do paletó, amarrada em um elástico. Diziam que quando ele arremessava a arma, ela abria sozinha, golpeava o adversário e voltava fechada para a mão de Satã. Ouvir isso me impressionou muito e até hoje não sei se era verdade.
A lenda atribui a ele cerca de 100 assassinatos e mais de três mil brigas, além atentado ao pudor, desacato à autoridade, resistência à prisão, porte de arma, agressões e furtos. Isso tudo somado aos componentes raciais e sexuais.
Milton Gonçalves atuou de forma excepcional, retratando bem aquele que o inspirou, Madame Satã, que ficava entre a ternura e a violência na Lapa dos anos 40. No filme é mostrado o tráfico de drogas incipiente no submundo carioca.
Com a missão cumprida, Milton Gonçalves merece descansar em paz. É o que desejo.