Gosto quando um livro me surpreende. E neste a surpresa começou quando li referência a ele no blog Guaporé Cultural do amigo Zola Xavier, que destacava a quebra do “preconceito enrustido na denominação única de ‘Barbadianos’ aos trabalhadores afrodescendentes, que migraram do Caribe para trabalhar na Estrada de Ferro Madeira Mamoré, no início do século XX”. Já fiquei interessado desde então. Tenho lido sobre as imigrações de açorianos, para o povoamento da costa sul e de alemães e italianos que foram trazidos para o Brasil para trabalhar as lavouras após a abolição da escravatura.
Quando comecei a leitura descobri que além de pesquisar sobre os países de origem daqueles que foram levados para Porto Velho a partir da ilha de Barbados, a autora também mostrou que a questão cultural dos imigrantes sofreu com decisões políticas, que fizeram com que o grupo originário das ilhas do Caribe fossem obrigados a falar Português em público e o bairro onde moravam no alto de uma pequena colina, o Barbadian Town, teve as casas demolidas, espalhando os moradores por vários bairros e, mais tarde, o morro foi desmontado pelo 5° BEC (Batalhão de Engenharia e Construção).
A professora Cledenice Blackman, ao escrever o livro Do mar do Caribe à beira do Madeira, responde uma pergunta que eu fazia a mim mesmo: a origem real dos trabalhadores levados para a Amazônia para ajudar a construir a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, que genericamente eram e são chamados de “barbadianos”.
Encontrei nos livros que li sobre a Madeira-Mamoré, referência àquelas mulheres e homens citados superficialmente ou nas estatísticas, mas não quem eram estas pessoas, como viviam nas suas terras de origem e por que aceitaram o recrutamento para ir para o interior de uma terra desconhecida – literalmente – trabalhar em uma atividade altamente insalubre.
Eu satisfiz a minha curiosidade e aprendi mais sobre os imigrantes afro-antilhanos, originários de várias ilhas do arquipelágo do Caribe ou Antilhas, colonizadas pela Inglaterra, notadamente Barbados, onde fica o porto de Bridgetown, local de parada dos vapores provenientes da América do Norte e da Europa para reabastecimento, e provavelmente onde eram recrutados os operários para a empresa encarregada de construir a ferrovia.

Uma representação tosca que fiz, sugerindo a rota Bridgetown, Barbados – Porto Velho (Ilustra JCarlos)
Para trabalhar na ferrovia, desde a construção até durante o funcionamento da Madeira-Mamoré, foram para Porto Velho pessoas originárias das ilhas de Barbados, Granada, Trinidad Tobago, Guiana Inglesa, Jamaica, São Vicente, entre outras e da Guiana Inglesa. Os afro-antilhanos tomaram também outros destinos na imigração para o Brasil, ficando alguns no Pará, especialmente em Belém, outros indo para Manaus, para o Acre e até para o Espírito Santo.
Em Porto Velho, a autora – ela própria descendentes de afro-antilhanos – descreve as diversas atividades desenvolvidas pelos moradores do bairro Barbadian Town, para preservação da cultura, da lingua, e da religião trazidas. Lá se falava o inglês britânico, jogavam o críquete e professavam religiões protestantes. Um episódio chamou minha atenção em particular. Durante a II Guerra Mundial, os afro-antilhanos residentes em Porto Velho, fizeram uma campanha entre eles para angarir fundos para ajudar a Inglaterra no esforço de guerra.
O livro Do mar do Caribe à beira do Madeira – Historiografia, Cultura e Imigração (Appris Editora, Curitiba – PR/2019) soma as pesquisas e conclusões feitas pela professora Cledenice desde a monografia de bacharelado até a dissertação de doutorado. A autora é Doutora em Educação, professora, historiadora, escritora, bibliotecária e membro da ARL (Academia Rondoniense de Letras, Artes e Ciências). A aquisição da obra pode ser feita com a própria autora pelo endereço eletrônico cledeniceblackman@gmail.com.
E uma última surpresa ficou guardada para mim lá no final do livro. Nas referências bibliográficas é citado um artigo escrito por mim 2007: “SÁ, José Carlos. Casarão dá lugar à barragem em Santo Antônio.Gente de Opinião, 15 dez 2007. Disponível em http://www.gentedeopiniao.com.br/ler_noticias.php?codigo=28383. Acesso em 15 abr. 2010,” Muita honra.
(https://bit.ly/3IcKj1w)