26 de agosto de 2021

História Repatriada – O que li no confinamento

Por José Carlos Sá

Os campos de concentração no Brasil durante a Segunda Guerra (Reprodução)

Um dos sub-assuntos relacionados à participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial, pouco lembrado, é com relação aos campos de concentração onde foram “internados” imigrantes alemães, italianos, japoneses e alguns austríacos, entre 1942 e 1945, por determinação do presidente Getúlio Vargas. O governo federal construiu ou adaptou doze campos de concentração (oficialmente dez), nos estados do Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul, sendo dois em Santa Catarina, onde foram recolhidos cidadãos nascidos na Alemanha, que imigraram para o Brasil e filhos destes, já nascidos aqui.

Casa de Saúde Mental Oscar Schneider, transformada em campo de concentração, em Joinville (Foto Arquivo Público)

Aviso devia ser afixado em local visível e de fácil acesso (Foto Reprodução)

Com a entrada do Brasil no conflito e declaração de guerra aos países do Eixo – Alemanha, Itália e Japão -, cidadãos daqueles países que moravam há muito tempo aqui, passaram a ser olhados com desconfiança e muitos foram detidos por força das restrições impostas pela Presidência da República, como só era permitido falar em público no idioma português. E não era só as autoridades que julgavam os estrangeiros, mas muitas pessoas comuns aproveitaram a oportunidade para saquearem estabelecimentos comerciais pertencentes a alemães, italianos e japoneses. Na minha cidade, Teófilo Otoni (MG), que foi colonizada por alemães, o cemitério dos luteranos foi vilipendiado por populares, também houve espancamento de colonos.

Catálogo dos documentos que estavam arquivados na Espanha sobre os campos de concentração para alemães em Santa Catarina e Rio Grande do Sul (Foto JCarlos)

O livro que ganhei na Feira de Cascaes, no domingo passado (22/08), traz o registro das correspondências referentes aos internos nos campos de concentração de Florianópolis (Trindade, atual Campus da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC), Joinville (Presídio Político Oscar Schneider, antigo manicômio) e Colônia Penal Agrícola General Daltro Filho, em Charqueada, Rio Grande do Sul. A defesa dos interesses dos alemães presos e dos familiares deles passaram à responsabilidade da Embaixada da Espanha no Brasil, através de seus consulados e vice-consulados.

Foram registrados minuciosamente os bens existentes nas representações diplomáticas alemãs, que foram fechadas; os valores que eram repassados aos internos, enviados pelo Ministério das Relações Exteriores alemão, as roupas de inverno e artigos de higiene pessoal distribuídas, tudo assinado em quatro vias pelos detidos. Também há cartas de um médico Godofredo Guilherme Luz Luce, que pedia ajuda para os familiares daqueles que estavam presos e que passavam necessidades. Chamaram minha atenção as listas com os nomes e profissão dos detidos. Contei seis pastores evangélicos que foram presos por ordem do DOPS (Delegacia da Ordem Política e Social). Um deles por fazer a pregação em alemão.

Guardas e prisioneiros do Campo de Concentração de Joinville (Foto reprodução Diário do Centro do Mundo)

É através do médico Godofredo é que ficamos sabendo que alguns presos ficavam detidos nas delegacias, em celas pequenas onde estavam de cinco a seis presos e onde só caberiam duas pessoas (parece que o sistema prisional não evoluiu nada). A outros detidos, informa a revista Super Interessante, consultada para completar este post,  era permitido ir até vila aos sábados onde seguiam acompanhados por guardas. “Era comum os presos chegarem carregando os fuzis dos guardas, que sempre voltavam bêbados”, lembra um entrevistado.

Todos os bens dos alemães e japoneses que foram confiscados pelo governo e depois da guerra ficaram à disposição, mas alguns itens não foram procurados, como moedas europeias de ouro, selos raros ou talheres em prata, com as iniciais dos nomes dos antigos donos. Estes bens, depositados no Banco do Brasil pelo Governo Espanhol, depois de catalogados, foram enviados para o Museu da República e Museu Histórico Nacional, ambos no Rio de Janeiro.

O livro História Repatriada foi editado pelo Instituto Carl Hoepcke e Universidade Federal de Santa Catarina, em 2018, fazendo parte do “Projeto de repatriação de informações produzidas e coletadas pela diplomacia espanhola no período em que a Espanha foi responsável pelos interesses alemães no Brasil durante a Segunda Guerra Mundial”.

Os campos de concentração no Brasil ainda precisam ser melhor estudados.