O nome desse livro é quilométrico: “Memória – Histórica, pictórica e sentimental de muitos fatos autêntico havidos (mas não de todos) e de muitas outras coisas que se falaram na vila, depois cidade de Nossa Senhora do Desterro da Ilha de Santa Catarina, também conhecida e chamada dos Casos Raros, recolhidos, narrados e comentados por Oswaldo Rodrigues Cabral, autor da Notícia Histórica de muitos outros, que nem com estes se completam. Ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de MCMLXXI – Composta, impressa e publicada com as mesmas licenças do primeiro”. Ufa!
O autor também tinha inúmeras qualificações. Foi militar, historiador, folclorista, antropólogo, acadêmico, professor de medicina legal, político. Como deputado estadual, presidiu a Assembleia Legislativa de Santa Catarina em 1954. Oswaldo Rodrigues Cabral nasceu em Laguna – SC em 1903 e morreu em Florianópolis em 1978. O volume que adquiri em um sebo, é o segundo tomo e é dividido em sete capítulos que narram fatos acontecidos na vila do Desterro (atual Florianópolis) ou protagonizados por pessoas que lá nasceram, todos registrados em jornais, diários pessoais e outros documentos de época.
Militares, padres, juízes de Fora, promotores, jornalistas, prostitutas, índios, escravos, canoeiros e agricultores são retratados em uma crônica que cobre um período da história da Ilha de Santa Catarina, desde a chegada do fundador da vila do Desterro, Francisco Dias Velho, até pouco depois da Revolução Federalista (1893 – 1895). São muitos fatos do cotidiano, protagonizados por gente simples ou por alguma autoridade constituída, que escaparam dos livros oficiais de História.
Destaco a iniciativa para a libertação dos escravos, que teve um movimento muito intenso na isolada vila do Desterro, tendo sido muitos escravizados libertados e alforriados muito antes da Lei Áurea assinada pela regente Princesa Isabel. Também há episódios engraçados, como a vinda de padres para exercer os cargos de capelães nas fortificações da Ilha, mas que por ser isoladas, muitos se apresentavam ao chegar à vila e depois sumiam, sem ir exercer seus compromissos sacerdotais.
Há a história de um vigário que trouxe uma concubina, uma bonita mulata, que desafiava a elite desterrense, comparecendo – mesmo que de maneira discreta – à missa na Catedral. O resultado é que a mulher levou uma chibatada de um jovem da sociedade, que mais tarde seria autoridade na Província de Santa Catarina.
Muito interessantes também são os capítulos relacionados com os militares. Em um, o autor conta fatos do final do século XVIII e início do século XIX, quando passavam pela ilha de Santa Catarina as tropas que iam combater os espanhóis pela posse da região que hoje é o Uruguai e das encrencas em que estes soldados se metiam na vila do Desterro, não respeitando os oficiais das tropas ali existentes.
Em outro capítulo, a Guerra do Paraguai é retratada sob o ponto de vista dos “filhos da Província” que foram recrutados ou se alistaram para combater os soldados de Solano López, onde são narrados atos de coragem e de covardia (estavam na tropa mas não eram catarinenses). Depois a situação de alguns desses heróis que caíram em desgraça depois da Revolução Federalista e foram fuzilados na ilha de Anhatomirim.
É um livro de fôlego, mesmo eu tendo lido apenas a metade da obra, já que são dois volumes. O livro foi editado em 1972, pela Editora da UFSC.