“Cena externa: A câmera mostra, numa tomada panorâmica, uma planície, cuja monotonia é quebrada por um pequeno morro. A vegetação é escassa, de arbustos retorcidos. A câmera se aproxima de uma casa de fazenda isolada. O foco continua fechando; o som da trilha sonora de fundo é substituído, aos poucos, por latidos de cão e risos de crianças. A câmera mantém a panorâmica, agora fechando sobre um casal de crianças louras, sardentas, que brincam com o cão. Ao fundo, uma mulher de vestido comprido e rodado, lava alguma coisa próximo a um poço. Um homem vestido de macacão jeans, se aproxima pela esquerda da cena com um feixe de lenha sobre os ombros e um machado na mão. A impressão é de uma família feliz, morando em algum lugar ermo. De repente a câmera dá um “chicote” e, em zoom, mostra rolos de fumaça se elevando do alto do morro. Um corte rápido para a vegetação que circunda a fazenda. Saindo de entre os arbustos, dezenas de índios com os rostos pintados e a má intenção estampada nas faces. Com os arcos retesados, eles andam meio curvados para não serem vistos pelos brancos. Mas o cachorro os pressente e começa a latir raivosamente. É silenciado por uma flecha. Os adultos e as crianças olham atordoados para a câmera. Corte. Na próxima cena a câmera passeia mostrando roupas jogadas para todos os lados, a casa toda desarrumada, com tudo quebrado. Um índio vem saindo de costas, deixando ver um archote improvisado. A casa arde rapidamente. Antes que o índio retorne a vegetação, onde os outros o aguardam, a câmera mostra, pendurado em sua cintura, um escalpe de cabelos louros…”
Quem tem mais de quarenta anos deve ter se lembrado de cenas parecidas como essa, assistidas em uma sessão de cinema na matinê de domingo à tarde.
Aprendemos com os norte-americanos a ter ódio aos índios. Hollywood justificava os massacres que os brancos fizeram quando da colonização dos EUA e, depois, na marcha para o oeste, nós acreditávamos e saímos do cinema para brincar de matar índios. Mas o tema deste artigo não é o etnocídio. Já existem muitas teses e tratados a favor ou contra o assunto.
Eu quero falar de um detalhe da cena que tentei descrever no início: A fumaça subindo do morro, em formato de bolas ou anéis. Os sinais de fumaça que precediam aos ataques dos índios ou que avisavam da chegada de caravanas de colonos ou da cavalaria.
Juro, por John Wayne, que sempre acreditei que aquele tipo de comunicação existia mesmo. Uma vez tida como verdade, guardei os sinais de fumaça dos índios americanos como paradigma, um dogma: nunca discuti sua veracidade.
Esse foi o meu erro.
Na aula de antropologia do curso de turismo, do professor Luiz Carlos Rodrigues, fiquei boquiaberto e, depois, cabisbaixo, ao saber que os sinais de fumaça eram apenas efeitos cenográficos. Segundo ele, nunca existiram. “Os índios das planícies tinham visão e audição bastante desenvolvidas e não havia – tecnicamente falando – necessidade de se comunicar por sinais de fumaça, como um Código Morse primitivo”.
Não é só no amor que acontecem as grandes desilusões. Essa foi apenas mais uma que sofri. Começou com o Papai Noel, depois a cegonha, o coelhinho da Páscoa, a Maria, a Solange, a …
[Crônica XIV/2024 – Texto original publicado no jornal Folha de Rondônia, Porto Velho (RO), edição de 16 de setembro de 2001]