24 de março de 2023

A ciência da Jurema

Por José Carlos Sá

Há algumas semanas li uma crônica em que o autor contava as tentativas que fez para parar de beber. Ele usou todos os “remédios” que ensinaram para deixar o vício. Chamou minha atenção  uma das “simpatias” que sugeriram ao autor “mastigar raiz de jurema”. Anotei mentalmente o palpite para pesquisar sobre isso depois e esqueci.

Dias depois, ouvi na rádio Senado a Mônica Salmaso cantando A Violeira, de Tom Jobim e Chico Buarque. Lá pelo meio da música tem o seguinte verso: “(…) Ver Ipanema / Foi que nem beber jurema / Que cenário de cinema / Que poema à beira-mar (…)”. Pensei: Epa, olha a jurema aí de novo. O Chico Buarque não iria escrever ‘jurema’ para rimar com ‘Ipanema’ e ‘cinema’, a tôa! Essa ‘jurema’ tem ciência, como dizem no Nordeste.

E por acreditar que o assunto seria resolvido por quem tivesse raízes nordestinas, fui consultar um cabra que é ‘esprumentado, vivido e viajado’ nos temas ligado àquela região, o meu amigo Normando Lira. Falei dessa conjuminância “juremista” e perguntei o que ele sabia sobre isso. Como esperava, o Normando esclareceu a dúvida:

A jurema (Acacia Jurema mart.) é uma planta com princípios psico-ativos (Foto internet)

“Tem ciência, sim, Zé. Jurema é uma planta da caatinga [Acacia Jurema mart.], um arbusto que possui propriedades psicoativas. Algumas linhas da umbanda preparam uma infusão com vinho e as raízes da Jurema para produzir uma bebida usada em rituais. Essas linhas também são chamadas de jurema”. Ele conta que existe mais uma planta nordestina, usada em rituais, e lá na região é chamada “zabumba”. Eu conheço a planta citada como trombeta (Brugmansia suaveolens) e já escrevi sobre ela.

Zabumba ou trombeta (Foto NaturezaBela.Com)

Mas a palavra está com o Normando: “Tem uma outra [planta] no Nordeste, chamada zabumba, que é um lírio, e o pessoal de religião de matriz africana utiliza. Só que é muito potente. Eu conheço uma pessoa, um farmacêutico, que durante um período estava estudando plantas com poder, lá na Paraíba… Estudante ainda, muito curioso, fez o chá da raiz da zabumba. E aí ele teve uma experiência muito forte. Ele passou dois dias praticamente em estado de transe e depois disso ficou com medo, não quiz mais mexer com planta de poder. A experiência foi muito impactante. Voltando à jurema, eu nunca tive curiosidade de conhecer a jurema. É bem comum na Paraíba e em Pernambuco, onde tem grupos que utilizam a jurema nos seus rituais… Tem esse sincretismos, né? É o Catimbó, que o pessoal mistura as religiões africanas e indígenas ou alguns mitos [oriundos destas]”.

Para ilustrar mais a explicação, o meu consultor enviou citações sobre a planta em textos de José Alencar (Iracema) e Mário de Andrade (Macunaíma).  A referência mais antiga da planta jurema, sendo utilizada em rituais, remonta a 1742, em uma carta do Capitão-Mor da Paraíba Pedro Monteiro de Macedo ao rei de Portugal, D. João V, em 1742, denunciando à Sua Majestade o ritual da jurema pelos índios Sucuru e Canindé, aldeados na Missão da Boa Vista no Brejo Paraibano.

Iracema, guardiã do segredo da jurema (Reprodução)

Trecho da carta do capitão que nos interessa (Reprodução )

Como eu havia pensado, esse negócio de jurema tem ciência!