Não sei como fui encontrado, mas recebi uma ligação de um assessor do senador Renan Calheiros (MDB), convidando para eu coordenar um evento do político em Porto Velho. Apresentei várias desculpas para não aceitar o convite, que foram uma a uma sendo derrubadas por bons argumentos.
Por exemplo, disse que já havia me mudado de Rondônia e perdido alguns contatos de prestadores de serviços para atender um acontecimento daquele porte. Responderam que eu só coordenaria a cerimônia, que haveria uma equipe de apoio que cuidaria de tudo. Usei a alegação da pandemia, mas responderam que todo mundo está vacinado (será?), que seria ao ar livre, sem perigo de contaminação. Finalmente pedi como pagamento um valor que dificilmente, acredito, seria aprovado. Mas foi. Fiquei responsável pelo Cerimonial, convites, composição da mesa ou dispositivo. Não se preocupe – disseram – tudo o que você pedir estará à disposição.
No dia do evento choveu muito antes e havia muita lama no acesso ao local. Vi assessores carregando o senador no colo para ele não sujar os sapatos. Nos bastidores, reclamavam do calor que os grandes ventiladores colocados ali não eram capazes de dissipar. Aí vi a imagem do inferno, que excedia em muito à narração feita pelo poeta florentino Dante Alighieri na obra A Divina Comédia: pouco antes do início da solenidade, o senador e demais autoridades convidadas começaram a tirar as camisas para se apresentarem assim ao público, que já ocupava os lugares, o mesmo acontecendo com os colegas jornalistas que foram cobrir a cerimônia.
Eu comecei a pedir que eles se vestissem novamente, mas ninguém me ouvia. Eu já imaginava a repercussão que o fato teria e me desesperava por ter caído naquela esparrela. Sem mais saber o que fazer, fiz o que me cabia: acordei.
Foi um pesadelo daqueles descritos pelo Chico Buarque na música Não sonho mais: “(…) Foi um sonho medonho / Desses que, às vezes, a gente sonha / E baba na fronha e se urina toda e quer sufocar. (…)”